Tendo perdido os pais muito nova, a pequena Anne Marie Grosholtz dá por si a agarrar-se ao peculiar Doutor Curtius e às suas criações de cera como modo de vida. Mas, quando Curtius se dedica a fazer cabeças de cera, a sua situação torna-se demasiado delicada e vê-se forçado a fugir com Marie para Paris. Aí, conhecem a ambiciosa Viúva Picot e a vida de Marie muda para sempre. Em tempos aprendiz de Curtius, é agora apenas uma criada numa casa estranha. Mas tem, ainda assim, os seus sonhos e os seus talentos, e o mundo à sua volta está a mudar tão depressa que Marie terá, por fim, de encontrar o seu lugar no mundo. Como manter esse lugar, contudo, quando o mundo parece estar a desabar sob o peso da Revolução - e a morte espreita a cada esquina?
Contado do ponto de vista de Marie e acompanhando grande parte da sua vida, um dos aspectos mais impressionantes deste livro é a forma como consegue retratar um período inteiro pelos olhos de uma única perspectiva pessoal. Durante grande parte do seu tempo em Paris, Marie é pouco mais que uma criada, mas as suas percepções da iminente Revolução transmitem com absoluta clareza as tensões e medos da época. Além disso, a história de Marie começa antes e acaba depois desse período, pelo que é possível ver o contraste entre diferentes momentos e a forma como a sua vida (e as daqueles que a rodeiam) muda dramática e inesperadamente.
Marie é também uma personagem muito carismática. Conhecemo-la enquanto criança, vulnerável e exposta, e vemo-la aguentar muito. Esses momentos aproximam-nos dela: sentimos a sua tristeza, os seus medos, a sua perda... o seu amor. A delicada relação de Marie com Curtius, e depois com Edmond, a longa batalha pelo seu lugar contra a Viúva Picot, a luta pela sobrevivência quando tudo ameaça desabar... Marie é vulnerável, mas é forte, e isto torna-se mais impressionante devido ao cenário e às personagens em seu redor. Personagens que, elas mesmas peculiares, deixam também a sua marca nos seus comportamentos e escolhas - nos gestos de amor e nas traições.
O conteúdo é sempre o mais importante, mas, neste caso, há dois aspectos formais que importa mencionar. Primeiro a escrita: bela, expressiva, cheia de emoção e de poesia, mas com um ritmo natural que encaixa perfeitamente na história. E depois as ilustrações: também belas e peculiares, complementando a história com recordações visuais do estranho e fascinante mundo em que Marie se move. Tudo se torna mais marcante devido a estes elementos. O resto... O resto é tudo Marie.
Talvez houvesse mais a dizer sobre esta belíssima história, mas não sem estragar a experiência da descoberta. Fica, pois, esta soma de todas as partes: uma história cativante, bonita e comovente. Uma pequena maravilha, em suma.
Título: Little
Autor: Edward Carey
Origem: Recebido para crítica
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