sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Quincas Borba (Machado de Assis)

Eminente filósofo e figura em todos os aspectos peculiar, Quincas Borba decidiu, nos seus últimos dias, fazer amizade com Rubião, um simples professor. E tão forte foi essa amizade que, chegada a hora da morte, decidiu fazer do amigo seu herdeiro universal. Eis, pois, Rubião convertido em homem rico. Rico, mas não necessariamente mais sensato. A ambição fá-lo mudar-se para o Rio de Janeiro, onde desenvolve novas amizades, contactos e paixões pouco correspondidas. E, pelo caminho, a fortuna vai-se dissipando, pois entre os mais ou menos leais e os puramente oportunistas, Rubião a todos pretende agradar. Alimentam-no o amor e a ambição de reconhecimento - sem saber que a loucura espreita ao virar da esquina...
Para quem tiver lido as Memórias Póstumas de Brás Cubas, o nome de Quincas Borba não será certamente desconhecido, e talvez o título leve a pensar num regresso ao protagonismo dessa tão estranha figura. Não. Pese embora o nome do livro, Quincas Borba (aliás, ambos os Quincas Borba) não são tanto figuras centrais da narrativa, mas antes força motriz de uma história bem diferente. Por um lado, é a fortuna de Quincas Borba homem que leva Rubião ao seu longo - e por vezes penoso - caminho. Por outro, Quincas Borba, canídeo, leal como nenhum outro, mesmo quando vítima de maus tratos, é para Rubião a fonte do que lhe falta em todas as suas outras relações: afecto desinteressado. E assim, sendo ambos presenças relativamente discretas, são, ainda assim, a força na origem de tudo o resto - justificando pois plenamente o destaque que o título lhes dá.
Mas passando à narrativa. A figura central é evidentemente Rubião, e é-o em contraste com os muitos que dele se aproximam. A história é a de um amor não correspondido, a de amizades que se transformam segundo o estatuto e, principalmente, a de um percurso de ascensão e queda moldado por riquezas, ambição e loucura. Acompanhar Rubião desde os últimos dias de Quincas Borba até aos seus próprios últimos dias é vê-lo percorrer uma longa jornada, onde há espaço para actos de todo o tipo: demonstrações de afectos proibidos, actos de heroísmo desinteressado, mal-entendidos alimentados pelas aparências e demonstrações de inexplicável generosidade. E no caminho de Rubião cruzam-se muitos outros, de tal modo que a sua história se torna também na de Sofia, do Palha, de Maria Benedita e de tantos outros que, mais ou menos ao de leve, o conheceram. Histórias que se entrecruzam, mas que divergem também em certos pontos, formando um todo mais amplo, mais complexo - e muito mais interessante pela diversidade de personagens.
E é curioso como, com tantas personagens e um caminho que, por vezes, se revela tão difícil, tudo é narrado com tão grande leveza. Talvez se deva aos muitos traços caricatos das personagens, talvez à simplicidade com que os factos são contados. Ou talvez, ainda, a uma mistura destes dois aspectos, aliada a um equilíbrio bastante eficaz entre os percursos pessoais das diferentes personagens. Certo é que tudo flui com perfeita naturalidade e que os muitos elos tocados pela passagem de Rubião acabam por se juntar numa visão bastante clara: a de que nada dura para sempre e que é na queda que se reconhecem os verdadeiramente leais.
História de uma fortuna feita e dissipada, eis, pois, um livro tão caricato como fascinante, um livro onde a verdade se esconde nos pequenos gestos e em que até o mais pequeno dos episódios tem significado. Cativante, surpreendente e com um leque de personagens fascinante, vale muito a pena conhecer esta história - e seguir até ao fim os passos de Quincas Borba. 

Título: Quincas Borba
Autor: Machado de Assis
Origem: Recebido para crítica

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