quinta-feira, 11 de novembro de 2021

O Comboio da Esperança (Gill Thompson)

Eva tinha um futuro brilhante pela frente, até à noite em que, ao optar pelo caminho mais curto para casa, acabou por ser atacada por um grupo de jovens alemães e todos os seus sonhos ficaram destruídos. Casada à pressa com um homem mais velho, conseguiu, ainda assim, reconstruir-se um pouco e constituir em Praga uma família razoavelmente feliz. Só que também essa tranquilidade é frágil e, quando os nazis invadem o seu país, Eva vê-se confrontada com a mais difícil das decisões: manter a filha ao seu lado, sabendo que o risco é enorme, ou enviá-la para Inglaterra contra a vontade do marido, sabendo que aí estará segura, mas que é possível que nunca mais a volte a ver. Entretanto, em Londres, Pamela sente-se segura e é por isso que dedica todos os seus esforços em proteger as crianças judias que todos os dias chegam ao seu país. Mas a guerra não está tão longe como julga e também a sua família pode vir a ser novamente abalada pela perda.
Provavelmente a maior força deste romance é a forma como entrelaça as vidas das diferentes personagens, num contexto que é por natureza complexo e sem nunca seguir pelas soluções mais simples, mas também sem nunca perder de vista a proximidade emocional que faz com que toda esta história transborde de intensidade e de emoção. Basta o contexto em que decorre para perceber que não faltarão momentos dramáticos e dolorosos, mas a autora tem uma capacidade natural para fazer brotar emoção tanto das pequenas coisas como dos grandes momentos.
Outro aspeto marcante é que, ao acompanhar diferentes personagens, abre espaço também a diferentes perspetivas do que está a acontecer. Pamela surge de um ambiente de relativa segurança, enquanto Eva está no cerne de um crescendo de perigo. Miriam encontra refúgio, carregando, porém, consigo a sombra da perda. Will representa a impetuosidade, mas também as consequências que resultam, por vezes, de fazer uma escolha corajosa. E todos eles - e mais - representam personalidades muito próprias num mundo cheio de complexidades e ambiguidades, onde nada pode ser perfeito e os finais felizes parecem mais difíceis do que nunca de imaginar.
Ainda um último ponto notável surge da própria escrita e do equilíbrio entre os seus momentos quase poéticos, carregados de uma emotividade transbordante, e a lucidez com que descreve a brutalidade dos factos. Quando as próprias personagens são confrontadas com escolhas ambíguas, a perceção clara de que certo e errado não deixaram de existir, mesmo em situações impensáveis, é algo de particularmente relevante numa história como esta.
Trata-se, portanto, de um livro carregado de emoção e de intensidade, com uma história complexa, mas sempre fascinante, e personagens marcantes em todas as suas facetas. Uma leitura notável, e uma história de música e de afeto que brilham mesmo no meio da mais densa escuridão.

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