quarta-feira, 24 de abril de 2019

O Mundo à Beira de um Ataque de Nervos (Matt Haig)

Vivemos num mundo ansioso, onde as notícias nos bombardeiam com motivos de preocupação, a necessidade de pertencer ou de corresponder às expectativas se sobrepõe à magia de quem realmente somos e onde pequenas preocupações se transformaram numa descomunal carga de stress. E, se é o próprio mundo que nos deixa ansiosos, não surpreende assim tanto que a ansiedade seja uma das doenças do século. Baseando-se na sua experiência pessoal, mas com um olhar bastante certeiro sobre o mundo, Matt Haig traça neste livro algo que é, ao mesmo tempo, um guia e um ponto de identificação.
Muito à semelhança do que acontece no igualmente brilhante Razões para Viver, uma das primeiras coisas a impressionar é a abertura e a simplicidade com que o autor fala das suas experiências. Não deveria ser um acto de coragem (esta é, aliás, uma das ideias que o autor explora neste livro), mas, no mundo em que vivemos, cheio de expectativas e de julgamentos, a verdade é que falar dos próprios problemas ainda o é. E esta abertura tem a capacidade de gerar compreensão, não só pela harmonia da escrita, mas pela sensação de que, pelo menos nalgumas das coisas que o autor descreve, podíamos muito bem ser nós.
A própria estrutura do livro tem também o condão de facilitar esta sensação de compreensão, já que os textos curtos, as listas, a frase certeira que nos vai direitinha ao coração, tornam a leitura muitíssimo acessível e realçam a importância do essencial. Afinal, é de um mundo sobrecarregado que falamos, não é? Faz, por isso, todo o sentido esta redução à simplicidade, que reforça a ideia de que o essencial não tem de ser muito, tem de ser o que conta para nós. E, além disso, se os textos são curtos, aquela frase marcante acaba também por sobressair mais. E por se entranhar na memória.
Embora possa ser classificado como tal, não é propriamente o habitual livro de auto-ajuda. E por boas razões. Primeiro, não cai nunca na tentação de fazer com que as coisas pareçam demasiado fáceis e muito menos na de exercer pressão (no sentido às vezes tão recorrente de "a vida só não é melhor porque não faz mais por isso"). A base vem da experiência do autor, e essa experiência implica momentos sombrios, momentos em que a vida parece demasiado pesada... E só quem nunca passou por lá pode achar que basta querer. O caminho não é fácil, não, e esta é uma ideia estranhamente reconfortante, pois afasta as culpas de um possível fracasso. O que acaba por ser também mais um dos valiosos efeitos deste livro. Esse e o de nos lembrar a magia de ser simplesmente humano, de estar simplesmente vivo.
Trata-se, pois, de um daqueles livros que deixarão uma marca diferente em cada leitor, pois, da visão pessoal do autor, emerge um terreno comum e uma sensação de compreensão que às vezes falha naquilo que, parafraseando o autor, romanticamente chamamos o mundo real. E, com a sua simplicidade, com a maravilhosa beleza das palavras e com a sempre encantadora sensação de encontrar um bocadinho de nós mesmos escondido entre estas páginas, trata-se de um livro que nos fala ao coração. É isso que o torna mágico. É isso que o torna brilhante.

Autor: Matt Haig
Origem: Recebido para crítica

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