Há locais onde, embora movendo-se nas sombras, o crime parece estar em toda a parte. E, para os que crescem nesse ambiente, a verdade é que a vida não é pródiga em alternativas. Leo Patterson escolheu cingir-se sempre às suas regras, pois, embora soubesse que isso lhe valera uma reputação de cobarde, as sombras dentro dele ameaçavam ser mais fortes, mas seguir as regras deixou de ser opção. Já Tracy Lawless traz a vingança aos ombros, mas não sabe que o irmão que quer vingar já não era a mesma pessoa quando morreu. Cada um carrega consigo o fardo da sua história, mas há ligações apenas insinuadas que fazem deles parte de um todo maior...
Para quem, como eu, já leu o pedaço de génio que é The Fade Out - Crepúsculo em Hollywood, é basicamente inevitável mergulhar na leitura de um livro desta dupla com as expectativas altíssimas. Não se pode esperar menos depois do brilhantismo. E, sendo certo que todos os aspectos correspondem às expectativas, o mais notável de todos é que, entrando num mundo diferente, com uma história mais dispersa entre diferentes personagens e onde o cenário de crimes e golpes não pode senão implicar uma certa medida de violência, o que fica na memória é a mesma desolação profunda, o mesmo impacto trágico da impotência das personagens, a mesma impressionante capacidade de fazer nascer um coração nas trevas.
Claro que, sendo parte de uma série mais ampla, há necessariamente dois pontos a sobressair. Primeiro, as perguntas sem resposta que emergem de duas histórias que são, apesar de tudo, independentes no essencial. Sendo independentes, fecham a linha central do enredo, o que faz com que, mais do que curiosidade insatisfeita, fique a impressão de uma conclusão adequada cujas ramificações se estenderão para o futuro. E depois o ciclo de oportunidades mais ou menos perdidas, resultante do percurso de cada personagem, com todos os seus anseios e decisões tomadas a fim de sobreviver a um mundo do qual é impossível fugir. Isto é, aliás, particularmente marcante, pois tem o impressionante efeito secundário de despertar uma empatia quase indescritível por personagens que não deixam de ser, ao fim e ao cabo, criminosos.
Sendo uma história de crime, e muito especificamente de submundos do crime cujos tentáculos se estendem até às supostas autoridades, faz também todo o sentido que se trate de uma história negra. E negra em todos os aspectos, do desespero latente nos mais impressionantes diálogos aos tons que povoam a arte, pois grande parte do enredo passa-se nas sombras, rasgado embora por clarões de luz e de sangue precisamente acrescentados. Imagem e diálogo fundem-se, pois, num equilíbrio praticamente perfeito, em que as expressões no rosto das personagens dizem tanto ou mais do que as palavras em si.
A única coisa previsível neste livro é mesmo o brilhantismo que se fazia prever. Ah, e claro, a vontade irresistível de conhecer mais deste submundo de sombras e de morte, construído com personagens tão negras como o mundo que se vêem obrigadas a habitar. Intenso, fascinante e repleto de momentos memoráveis, um livro que recomendo sem reservas.
Título: Criminal - Livro Um
Autores: Ed Brubaker e Sean Phillips
Origem: Recebido para crítica
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