À superfície, as coisas parecem estar calmas em Harrow County. Mas, não sendo um lugar normal, há sempre coisas em movimento nas sombras, e desta vez não se trata das assombrações do costume. Emmy não é a única, tal como Hester não era. Há outros como ela e, embora se apresentem como a sua família, e os únicos capazes de lhe explicar as suas origens e a sua natureza, o que pretendem em troca é um preço demasiado alto a pagar. Pois, fruto da ambição desmedida de Hester, Harrow County é, aos olhos destas entidades, uma distracção que precisa de ser destruída. E Emmy não está disposta a permitir isso.
Um dos aspectos mais cativantes desta série é que, mesmo nos momentos em que, à primeira vista, não há muito de dramático a acontecer, há sempre como que a promessa de uma sombra a pairar sobre tudo. Uma sombra que se reflecte, desde logo, nos ambientes, com o contraste entre a luz dos dias soalheiros da vida aparentemente normal de Emmy e a escuridão rasgada a tons de fogo e sangue dos elementos sobrenaturais. Quase não é preciso ir além da imagem estática para detectar este contraste sombrio. E, em conjugação com uma história também ela cheia de contrastes e surpresas - no rumo das personagens, nos diálogos certeiros, nas tensões palpáveis e no contraste entre paragens e movimentos - o resultado só pode ser viciante.
É como que um equilíbrio de... bem, de múltiplos equilíbrios. A situação de Emmy em Harrow County, simultaneamente temida e adorada, é em si mesma um equilíbrio delicado, mas cada novo volume coloca-a também perante novos desafios e verdades perturbadoras. As origens de Emmy vão sendo reveladas aos poucos, e de uma forma que traz com cada resposta novas e intrigantes perguntas. A entrada em cena de novos intervenientes vai expandindo também as forças em colisão, sem nunca esbater por completo a relativa (ou aparente) pacatez do cenário. E, ao fim de mais este volume, voltam a ser muitas as perguntas sem resposta, mas ainda assim sabemos mais. E o que sabemos faz com que seja irresistível a vontade de descobrir o que vem a seguir.
Há ainda um outro aspecto a sobressair deste estranho e fascinante percurso. É que cada novo fragmento de informação parece afastar um pouco as pessoas que rodeiam Emmy, seja pelo que escolhem fazer ou pela mera visão daquilo que são. E, ainda assim, as convicções e os afectos de Emmy estão profundamente enraizados neste pequeno lugar, o que cria um laço emocional complexo e estranhamente enternecedor. Emmy é Hester, mas é diferente de Hester. E, rodeada de sombras, de perigos, de trevas dentro e fora de si, tem ainda assim um toque de inocência e de bondade que é como uma luz nas trevas exteriores. O que me leva ainda uma vez mais ao contraste de cores: a luz que rodeia Emmy na sua normalidade possível... e as trevas cada vez mais sinistras de tudo o resto.
A mesma força, os mesmos contrastes, a mesma envolvência e uma sensação de cada vez mais intensa empatia por uma personagem cercada de tudo aquilo que não compreende. São estas as impressões que ficam destes Laços de Família. Estas e a já habitual muito grande vontade de ler o mais rapidamente possível o volume que se segue desta fascinante série.
Autores: Cullen Bunn e Tyler Crook
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário