Avizinham-se tempos de mudança em Terra Parda, e nas diferentes espadas - reinos - que a constituem. De um lado, a rainha Lazard Ezzila vê-se cada vez mais empurrada para longe do trono que lhe pertence por direito por um ambicioso e intriguista marido que, embora cruel por natureza, conseguiu cair nas boas graças do povo. Do outro, Ameril Hymadher sabe que o seu próprio reino é um ninho de conspirações e que a única forma de combater nessa frente ao mesmo que se protege contra a ameaça externa que paira sobre o reino é partir, acompanhado por um grupo de homens de relativa confiança e tentar obter reforços e alianças. Mas as intrigas não se esbateram e o que parecem duas conspirações distintas são, afinal, parte de uma teia maior e tão complexa como o mundo em que se desenvolve.
Um dos primeiros aspectos a sobressair neste livro - e que, inicialmente, pode tornar a leitura ligeiramente intimidante - é a suma complexidade do mundo aqui apresentado. Raças antigas, múltiplos reinos, sistemas de governação e posições hierárquicas distintas e uma teia de relações passadas com repercussões no presente fazem com que a primeira sensação ao embarcar nesta leitura seja de relativa perplexidade, até porque também a escrita um tanto elaborada contribui para reforçar a já bastante vincada impressão de complexidade. Ainda assim, vale a pena persistir. À medida que as personagens se vão revelando, que a distância inicial resultante de uma maior atenção dada ao mundo do que aos seus habitantes vai dando lugar às experiências e emoções mais pessoais dos protagonistas e que os picos de tensão e emoção começam a manifestar-se, a leitura vai-se tornando cada vez mais envolvente e mais forte a vontade de saber o que acontece a seguir.
Outro aspecto que importa destacar, e que contribui em muito para este adensar gradual do impacto, é que, além da escrita elaborada, o registo é consideravelmente descritivo, principalmente - e mais uma vez - na fase inicial. Claro que faz sentido que assim seja, tendo em conta a vastidão do cenário, e embora também isto contribua para a tal distância inicial, é também um aspecto que se vai esbatendo à medida que a acção se intensifica e que as peculiaridades do registo - que vão do vocabulário elaborado a uma forma peculiar de construir certas frases - começam a tornar-se mais naturais.
A história - e as personagens - vão-se, por isso, entranhando. A estranheza inicial dá lugar à curiosidade, e depois a uma certa proximidade. Afinal, é difícil não sentir empatia por alguém cujos maiores inimigos vêm dos laços mais profundos. E, ao chegar ao fim da leitura, com todas as perguntas que ficam sem resposta (como é natural, sendo o primeiro volume de uma série), mais do que as marcas da longa e complexa viagem, fica uma grande vontade de saber que novas intrigas estarão reservadas a estas interessantes personagens.
Sim, é um pouco intimidante no início, tanto pelo tamanho como pela complexidade do mundo. Mas ultrapassadas as barreiras iniciais, torna-se uma história intrigante e pontuada por vários momentos genuinamente memoráveis. A impressão que fica é, por isso, a de uma boa história - com muito potencial para o que se poderá seguir.
Título: Espada que Sangra
Autor: Nuno Ferreira
Origem: Recebido para crítica
Nota: Para quem ainda não se cruzou com ela, há uma edição mais recente e revista deste livro, publicada pela Editorial Divergência.
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