sexta-feira, 6 de junho de 2014

Cadernos de Buenos Aires (José Avilez Ogando)

Depois de longos anos passados em Buenos Aires, a viver uma vida dupla e carregando a sombra de um amor que nunca se concretizou, um homem decide pôr numa carta todos os sentimentos e memórias a que nunca deu voz. Enquanto escreve, recorda a forma como conheceu a mulher que ainda lhe habita o coração, mas também o seu percurso de vida e tudo o que o colocou no lugar onde está. E, ao abrir-se para o papel, pondera sobre o amor e sobre o que realmente significa. Talvez não haja conclusões nas suas palavras, ou talvez a carta nunca venha a ser enviada. Mas, em cada recordação e em cada pensamento, o que escreve é a história da sua vida.
Bastante introspectivo e com uma linha narrativa em que são mais os momentos de pausa e ponderação que propriamente os grandes acontecimentos, este é um livro que não se faz de momentos marcantes ou de grandes revelações, mas antes de um olhar pessoal e particular sobre a experiência de um amor. No fundo, a história do protagonista define-se mais a partir do que sente e do que pensa do que propriamente pelo que fez, ainda que haja uma base de elementos de contexto e um percurso de vida subjacente à posição de onde o autor escreve a sua carta.
O elemento dominante é a introspecção. Há, de facto, uma história por detrás dos pensamentos, quer no que diz respeito ao amor, quer na vida do protagonista, em Lisboa e em Buenos Aires, mas é inevitável, por vezes, a sensação de que essa história é secundária. Neste aspecto, ficam sentimentos ambíguos, já que, por um lado, seria interessante saber mais sobre a história efectiva do protagonista, enquanto que, por outro, a ambiguidade acaba por ser um registo adequado à análise dos pensamentos e sentimentos que moldam tanto a carta como a globalidade da narrativa.
Quanto à escrita, sobressaem algumas frases particularmente marcantes, num registo que surpreende por, não sendo especialmente elaborado, surgir com ocasionais laivos de poesia e alguns pensamentos particularmente certeiros. De resto, o tom divagativo adequa-se ao rumo da narrativa, feita tanto da análise interior como da vida do protagonista.
Envolvente e de leitura agradável, este é, pois, um livro que, moldado essencialmente numa reflexão sobre o amor, cativa pelo tom pessoal da narrativa do protagonista - e pelo que nela surge de universal. Uma boa leitura, portanto.

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