domingo, 29 de setembro de 2019

O Dia do Assassínio (Annie Ward)

Apesar de tudo aquilo por que passaram, Ian e Maddie parecem ter um bom casamento, consolidado pela existência de Charlie, o filho amado de ambos. Mas há segredos nas sombras. Maddie sofreu um acidente que lhe deixou o rosto desfigurado - e há quem suspeite que não foi um acidente. E, quando Maddie começa a frequentar sessões de terapia, há rasgos do passado sombrio de Ian que começam a vir à superfície. A relação aparentemente sólida esconde fendas profundas. E uma chamada desesperada para o 112 cedo indica que algo irá acabar mal...
Provavelmente a grande força deste livro é a capacidade de surpreender e até manipular o leitor. Contada maioritariamente do ponto de vista de Maddie, mas com alguns capítulos dedicados à visão de Ian e outros dedicados ao dia do assassínio, há desde cedo uma certa ambiguidade na forma como a relação dos protagonistas é traçado. Maddie é uma mulher que sofre de ansiedade, e cedo se torna claro que há problemas na relação a influenciar o seu percurso. Mas o que realmente se passa? Bem, isso é uma sucessão de surpresas que culminam num final tão inesperado quanto emocionalmente devastador.
Há questões profundas a surgir ao longo do enredo, que vão desde a possibilidade de uma relação violenta ao impacto do stress pós-traumático, passando pelas muitas dificuldades vividas por Ian, Maddie e Joanna nas diferentes partes do mundo por onde passaram. Talvez por isso faça tanto sentido a relativa ambiguidade moral que parece insinuar-se ao longo de toda a narrativa. Maddie, mulher apaixonada, mãe dedicada e potencial vítima, parece lidar de forma algo bizarra com as explosões emocionais que a rodeiam. Ian, instável, danificado, aparentemente pouco sociável e paranóico, esconde nas suas explosões uma profunda tristeza. E, mais do que uma personagem que desperte imediata empatia - diga-se que nenhuma delas o faz -, o que realmente surpreende é a mudança de perspectiva ao longo da leitura: ninguém é exactamente aquilo que parece e a linha que separa vítima de vilão não é assim tão clara.
Também por isso faz sentido a forma como tudo termina, não em termos da grande e intensa revelação sobre o crime, mas relativamente ao que vem depois. É um final relativamente aberto, deixando antever possibilidades e descobertas que nunca se concretizam totalmente. E, sim, fica uma certa curiosidade insatisfeita quanto a essas últimas possibilidades, mas, numa história onde tudo é ambíguo e inesperado, é apenas natural que esses últimos elementos sejam deixados à imaginação do leitor.
Intrincado e inesperadamente ambíguo, mas intenso na intriga e nas grandes revelações, trata-se, pois, de um livro que prende desde as primeiras páginas e não deixa de surpreender até ao grande final. Cheio de surpresas, um livro que facilmente cativa - e que só se torna mais marcante por ser tudo menos linear.

Autora: Annie Ward
Origem: Recebido para crítica

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