sábado, 7 de março de 2020

Caravaggio - O Pincel e a Espada (Milo Manara)

Michelangelo Merisi acaba de chegar a Roma, com todo o seu extraordinário talento para a pintura - e também com toda a sua impaciência e irascibilidade. Não tarda, por isso, a fazer inimigos, ainda que conquistando ao mesmo tempo um poderoso mecenas e um núcleo de grandes amigos. Mostrar a sua arte ao povo significa, porém, ceder aos ditames da igreja - até porque não o fazer pode ter consequências dramáticas. E, encontrando inspiração em fontes menos que respeitáveis, as inimizades do jovem Caravaggio rapidamente começam a encaminhar-se num sentido perigoso...
Parte do que impressiona na história do grande Caravaggio - além, é claro, da grandiosidade da obra - é o fascinante contraste entre a sua genialidade na pintura e a sua personalidade conflituosa. É parte da sua natureza e a forma como isso é transposto para este livro confere-lhe nova vida e nitidez. O Caravaggio deste livro é efectivamente o grande pintor - e a forma como os seus quadros são transpostos para este livro é algo de puramente genial - mas é também o jovem temperamental, arruaceiro, destrutivamente apaixonado. Tudo isso está presente. Tudo isso dá força à leitura. E tudo isso ganha vida nos diálogos precisos e sobretudo na arte.
Quem já tiver olhado com um mínimo de atenção para uma das obras de Caravaggio - seja num livro, na internet, numa reprodução ou seja onde for - facilmente reconhecerá a fortíssima presença dos quadros. O processo criativo é, aliás, um dos elementos essenciais desta história, com a peculiar escolha das modelos, a construção das cenas e até a interferência do mecenas a surgirem no momento mais adequado para realçarem a sua importância. Mas a verdade é que a sombra dos quadros está presente em todo o livro, e com especial ênfase nos acontecimentos que levam ao poderosíssimo final desta primeira parte.
Mas voltando ainda a Caravaggio, e ao desenvolvimento da sua história neste livro, importa destacar uma intenção evidente: a de ser o mais fiel possível ao percurso da sua vida, realçando as facetas que o tornaram único não só em termos de legado, mas também de percurso pessoal. O Caravaggio deste livro é uma personagem viva, transbordante de ímpeto e de força, que quase parece sair da página para dar vida ao seu génio e, acima de tudo, às suas emoções. O resultado é uma surpreendentemente poderosa sensação de empatia para com uma figura com quem, à primeira vista, não seria fácil simpatizar.
Empolgante, intenso, belíssimo em termos de arte e impressionante na eficácia dos diálogos, é um livro tão memorável como o seu protagonista. E assim, a impressão que fica uma vez terminada a leitura é, pois, algo de poderoso: uma viagem no tempo, à vida do verdadeiro Caravaggio. O pintor e também o homem.

Autor: Milo Manara
Origem: Recebido para crítica

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