domingo, 1 de agosto de 2021

Amnistia (Aravind Adiga)

Danny vive há quatro anos como imigrante ilegal na Austrália. Limpa casas, leva uma vida discreta, encontrou o amor num site de encontros para vegetarianos - apesar de não o ser - e aprendeu umas coisas sobre como manter a discrição para não ser apanhado. Em tudo o que faz, tem sempre algo bem presente: nunca voltará ao seu país. Só que a paz discreta da sua vida está prestes a desfazer-se. Certa manhã, ao limpar a casa de um dos seus clientes, recebe a notícia da morte de Radha Thomas, também ela uma antiga cliente sua. E, à medida que começa a perceber mais do que aconteceu, começa a suspeitar de que sabe também quem a matou. Só que denunciar o assassino implica denunciar-se a si mesmo e, possivelmente, ser deportado. Terá, pois, de decidir o que tem mais força: o medo ou a consciência.
Passada totalmente num único dia, embora parecendo abranger uma vida inteira, este livro tem a sua grande força no dilema interior que o define - e nas repercussões desse dilema em termos de perspetiva global. Danny debate-se entre a necessidade de ficar calado para não se denunciar e a consciência que lhe diz que não pode fazer isso. E as suas circunstâncias projetam uma pergunta para o leitor: será justo, verdadeiramente justo, que alguém possa fazer o que está certo e ser castigado por isso? É este o cerne desta história e é esta a grande marca que deixa: a capacidade de questionar, de fazer refletir, de gerar empatia onde ela muitas vezes não parece existir.
Também a voz do livro tem o seu lado singular, pois, apesar de narrado na terceira pessoa, parece entrar diretamente nos pensamentos de Danny, expressando as suas dúvidas, realçando as suas experiências, traçando até alguns monólogos interiores - ou... bem, diálogos interiores com um cato - particularmente marcantes. Além disso, a perspetiva de Danny enquanto figura deliberadamente invisível faz com que, sendo embora um percurso pessoal, haja também uma visão bastante nítida do cenário e do contexto ao longo de toda a narrativa.
Um último ponto a destacar é que, sendo uma luta entre medo e consciência, não é, ainda assim, uma história com uma visão linear de bem e mal. Sim, à primeira vista, pode parecer óbvio qual é a decisão certa a tomar. Mas dadas as circunstâncias, as dúvidas que vão emergindo e a própria ambiguidade do sistema, a perspetiva vai-se alterando. E a ambiguidade é particularmente forte porque nenhuma personagem se aproxima sequer de uma nobreza imaculada. Todos têm os seus defeitos, as suas vulnerabilidades humanas, as suas sombras. E assim, há uma dúvida que persiste até ao final da história. Final esse que é também emocionalmente ambíguo... porque é mesmo assim que tem de ser.
O próprio tema torna inevitável que não seja propriamente uma leitura leve. Mas é uma história que deixa a sua marca: pelo tema, pela complexidade, pela visão pura e dura de uma espécie de justiça onde qualquer boa ação pode ser castigada. E por Danny, em toda a sua singularidade, da estranheza à memorável empatia.

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