sábado, 7 de agosto de 2021

Armazém Central: Serge | Os Homens (Régis Loisel e Jean-Louis Tripp)

A vida em Notre-Dame-des-Lacs tem regras bem definidas, ainda que não estejam escritas em lado nenhum, exceto na rotina das pessoas. Mas essa rotina tem vindo a sofrer alguns abalos, e há um novo que vai abalar tudo o que a comunidade conhece. A entrada em cena de Serge, um perfeito forasteiro, desperta imediatamente suspeitas na comunidade, sobretudo após ter-se alojado em casa de Marie. E quando, quase sem ninguém dar por isso, Serge começa a ocupar um papel importante na comunidade, há quem não se sinta muito satisfeito com isso. O que parecia sólido tem, afinal, algumas fragilidades. E não será preciso mudar mentalidades para que uma nova paz se possa instalar?
Um dos aspetos mais marcantes desta série é a forma como retrata com absoluta perfeição as particularidades da vida num meio pequeno, onde todos se conhecem, as relações são estreitas e quase todas as mudanças são encaradas com desconfiança. É uma história que vive tanto das grandes revelações como dos pequenos momentos, o que, além de a tornar mais cativante, gera emoção nos mais inesperados momentos e consegue ainda fazer refletir sobre a forma como o medo e os preconceitos comandam, às vezes, as decisões das pessoas.
Outro aspeto curioso é que, embora situada num local muito específico, e com hábitos também bastante singulares, outros elementos há que facilmente poderiam se transpostos para outros locais. As festas, o porco, os vizinhos que se juntam para ajudar com alguma coisa, o regresso dos que partiram em alturas específicas do ano... soa familiar, não soa? E, tendo em conta o curso da história, esta familiaridade de um contexto diferente faz com que também as questões que evoca se tornem familiares. A posição de Marie, o segredo de Serge, os mexericos, as confissões, a necessidade de ajuda... tudo o que vive neste mundo vive também, de certa forma, na realidade.
Olhando, por último, para a arte, há dois aspetos que, não sendo particularmente novos para quem já leu outros volumes da série, não deixam ainda de merecer destaque: a expressividade das personagens, sobretudo no caso de Marie, em que os olhos parecem falar, mas presente em praticamente todos os intervenientes; e os discretos laivos de ternura discreta, numa carícia a um gato ou nas brincadeiras entre os animais, que acrescentam ainda um novo rasgo enternecedor a uma história toda ela emotiva.
Vive das pequenas coisas e das grandes emoções. Ensina lições insuspeitas, mais pela ação que pela palavra. E cativa, emociona e surpreende ao virar de cada página. Eis a alma desta série, e particularmente deste volume: uma leitura terna, intensa e memorável.

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