sábado, 30 de outubro de 2021

A Última Coisa que Ele Queria (Joan Didion)

Elena McMahon está habituada a reconstruir a sua vida sempre que se apercebe de que a que tem se transformou em fingimento. É, pois, quase por impulso que decide abandonar a campanha eleitoral que estava a acompanhar como jornalista a fim de ir visitar o pai. O que não sabe é a dimensão da intriga em que está prestes a entrar. O pai de Elena faz negócios de um tipo altamente secreto e duvidoso, mas uma doença imprevista acaba de o deixar incapaz de assumir o seu papel. Elena assume, pois, o seu lugar, longe de imaginar a magnitude do esquema em que acaba de se envolver. E não tarda a que tudo comece a descarrilar, num jogo de interesses e conspirações políticas onde não há verdadeiros inocentes e cada passo pode ter consequências fatais.
Apesar de não ser um romance particularmente extenso, este livro tem como uma das suas principais caraterísticas a complexidade. Complexidade na intriga, complexidade na dimensão das forças em jogo e complexidade na construção das próprias personagens. Assim, não é de admirar que a impressão inicial seja de alguma confusão, pois são muitas as coisas que há para assimilar e a autora tem uma forma muito própria de as descrever, ao ritmo da consciência da voz que narra e não numa linha temporal linear.
Ora esta singularidade torna a leitura um pouco pausada, principalmente na fase inicial, contribuindo para isso também a relativa ambiguidade, moral e não só, das personagens. Ainda assim, à medida que o enredo vai evoluindo e as ligações começam a tornar-se mais claras, a estranheza é substituída pela curiosidade e a ambiguidade inicial vai dando lugar a uma estranha empatia. Estranha porque todas as personagens têm uma faceta menos clara, mas intensa, a espaços, e sobretudo a partir do momento em que se torna evidente que uma história como esta jamais poderia ter um final perfeito e cor-de-rosa.
É certo que ninguém é totalmente inocente, mas não deixa de haver casos em que as personagens se envolvem em algo muito maior do que julgavam, o que desperta também uma certa simpatia face à sua posição. Mas há ainda um outro ponto marcante: é que o cerne da história pode estar na intriga política e nas teias dos negócios obscuros, mas há espaço para pequenos momentos pessoais que são particularmente poderosos. Acabam, aliás, por ser esses os que mais ficam na memória, ainda que entrelaçados numa intriga muito mais vasta.
Tudo somado, o que fica é a impressão de uma leitura singular, inicialmente desconcertante, mas que se vai entranhando pouco a pouco, abrindo caminho para a revelação das verdadeiras forças destas personagens e da desolação dos meandros em que se movem. Exige o seu tempo, sim, mas compensa. Amplamente.

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