domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Terceiro Deus (Ricardo Pinto)

Parece não haver qualquer limite para a ambição de Osidian. Em tempos injustiçado, pretende agora recuperar o que lhe pertence, independentemente das vidas que isso custar. Ao seu lado - porque sem grandes alternativas que lhe permitam parar a carnificina - Carnelian tenta exercer a pouca influência que detém sobre o antigo amante no sentido de salvar, pelo menos, aqueles que são para si mais importantes. Mas o Equilíbrio foi violado e as consequências são imprevisíveis. Por mais importantes que sejam as forças que movem cada um deles, o futuro é inevitável. E o sangue jorrará.
Se necessário fosse descrever numa única palavra o profundo efeito deste livro, então apenas uma poderia ser usada: DEVASTADOR. Acompanhar durante tanto tempo o percurso da criança que foi Carnelian, tão forte e, apesar disso, tão distante da sua condição de Escolhido, para o encontrar num cenário final que é, na sua essência, de pura desolação, cria um efeito de angústia desmedida, uma preocupação inevitável e um presságio de tragédia que, de acontecimento em acontecimento, vão mudando a sua forma sem nunca acabar por desaparecer. E, num mundo tão vasto, complexo e detalhadamente descrito como o é o deste livro, é fascinante ver princípios, forças e emoções exploradas de forma tão soberba como o são neste livro.
Mas, apesar da vastidão dos cenários, do maravilhoso detalhe dos melhores aspectos e da sombria obscuridade dos costumes mais perturbadores, a verdade é que o que tornou este livro marcante e inesquecível de uma forma tão intensamente pessoal resume-se num único nome: Suth Carnelian. Dificilmente poderia estar mais longe da figura do típico herói, mas torna-se força de intenso fascínio com o seu sentido de responsabilidade (e de culpa, mesmo que involuntária), com a sua persistência em salvar o que parece inatingível, com a imensidade das suas emoções e a forma como estas transparecem no mais breve dos gestos e até mesmo na sua vulnerabilidade, na divergência entre o seu coração e a sua condição de Escolhido. Esta é particularmente notória na constante oposição com Osidian. Carnelian é consciência. Osidian é ambição. Unidas numa única pessoa, as características de ambos dariam um imperador perfeito. Divididas entre ambos, dão uma relação de tal forma devastadora que é impossível não sentir a linha que se rasga entre Osidian, a crueldade, e Carnelian, a compaixão.
E são, afinal, ambos igualmente culpados, independentemente das forças que os movem, e é também essa certeza que torna certos momentos da história tão poderosos. A ligação dilacerada pela tristeza que os une a ambos, mesmo no mais devastador dos cenários, quando tudo pareceria prestes a ruir... não fosse aquela mínima medida de esperança que separa o doloroso do insuportável, aquela vaga insinuação de que talvez seja possível salvar ainda alguma coisa... ainda que a totalidade seja impossível.
Falta referir o final, que, na minha opinião, é simplesmente perfeito. Mais uma vez, paira airosamente entre a esperança e o desespero, num perfeito domínio de emoções angustiantes, acções inevitáveis e aqueles acontecimentos que, depois de detalhes tão impressionantes como a descrição da Apoteose, acabam por ser ainda mais marcantes por não serem explorados ao pormenor. Às vezes, não é preciso ver o que aconteceu. Simplesmente sabemos.
Foi longa a espera por este último volume d'A Dança de Pedra do Camaleão. Mas não haja a menor dúvida de que valeu a pena. Belo, aterrador, complexo e magistral, este foi um livro que me abalou até às fundações do ser e que, por isso, terá para sempre um lugar de destaque entre os meus preferidos. A história de um mundo que deixará saudades...

3 comentários:

  1. Deixaste-me cheia de curiosidade e de vontade de conhecer Ricardo Pinto!

    ResponderEliminar
  2. Adorei ler o que escreveste sobre o Terceiro Deus! =D

    "Belo, aterrador, complexo e magistral, este foi um livro que me abalou até às fundações do ser e que, por isso, terá para sempre um lugar de destaque entre os meus preferidos. A história de um mundo que deixará saudades..."

    Exactamente aquilo que eu diria sobre a Dança de Pedra! Que maravilha encontrar um eco destes =) Eu até li o ultimo livro mais devagar porque tinha mesmo pena de o acabar e não haver mais... Hás vezes apanho-me a pensar naquele mundo de Osidian e Carnelian, a pensar nos vários personagens com afecto, as tribos, Terra-É-Forte, etc... isto nunca me tinha acontecido com qualquer outro livro, sei que vou sempre me lembrar e me fascinar, e talvez mais tarde volte a reler estes livros fascinantes.

    ResponderEliminar
  3. Olá Carla. Gostei muito da tua opinião. Obrigado por me dares o link deste texto sobre o fim desta saga. Como visto no meu blog ainda só li (e escrevi) os primeiros dois livros e são muito poucas as pessoas que leram esta saga até ao fim, principalmente porque este livro demorou mesmo muito tempo a sair! Irei lê-lo no futuro e depois dou-te o link do meu blog com a minha opinião!

    ResponderEliminar