Tudo começa quando uma das suas vizinhas entra na casa da detective Bruna Husky e, após um discurso de aparente loucura, a tenta assassinar, suicidando-se em seguida. Cedo, o que parece um caso de loucura se revela como algo mais, com o surgir de outros casos semelhantes. Para Bruna, detective tecno-humana, o caso é pessoal, principalmente a partir do momento em que ganha contornos de uma possível conspiração contra os replicantes. E, enquanto conta os dias para o fim da sua curta vida, Bruna irá encontrar-se no centro de uma situação complexa, tendo de lidar ao mesmo tempo com o ódio dos humanos, a necessária convivência com aliados que lhe causam suspeita e a eterna solidão que é, em suma, o que sempre definiu a sua existência.
Passa-se no ano 2109, mas há muito neste livro que se adequaria aos nossos tempos. Os preconceitos estabelecidos entre humanos e replicantes, e até a aversão para com as figuras alienígenas, representam claramente os mesmos preconceitos racistas e xenófobos que, demasiadas vezes, se evidenciam. A indiferença reinante, as potencialidades de um ódio global que facilmente explode ao mínimo conflito, as perdas inevitáveis ao longo de um percurso de vida, são temas que, independentemente do cenário, nunca deixam de ter algo familiar. E, dos humanos aos replicantes, a imensa solidão de uma vida em contagem decrescente para um fim anunciado, a resignação a uma memória falsa, a vontade de viver num caminho que é, muitas vezes, demasiado difícil, são temas que dão muita matéria para reflectir.
Com toda esta diversidade de temas que dão forma ao retrato completo de uma sociedade que, em muitos aspectos, se aproxima da real, é interessante notar que a vastidão de conteúdos não impede que a obra seja uma leitura compulsiva. A escrita é de uma expressividade belíssima e é fácil sentir empatia para com a protagonista e os seus sentimentos. Mas, mais que isso, o lado de reflexão e de alguma introspecção é complementado com um enredo cheio de mistério e com grandes momentos de acção, com a criação de um cenário pleno de elementos interessantes e, em suma, com uma sociedade que apela às emoções do leitor - e isto acontece no vasto espectro de emoções que vão da empatia à revolta.
É poderoso, pois, o impacto final desta leitura. Intenso e cativante, mas com muito sobre que reflectir, Lágrimas na Chuva fica na memória tanto pela linha principal do enredo, como pela vulnerabilidade humana de uma protagonista que o não é, como ainda pela vastíssima quantidade de material para reflexão sobre temas como o racismo, a política, a ecologia... e a vida, em suma, em todos os seus aspectos. Profundo, intenso e envolvente... belíssimo.
Só leio boas críticas sobre este livro, mas, quase de certeza que não vou lê-lo, uma vez que a dose de "futurismo" que contém não termina de convencer. Assim que leio as resenhas e vou descobrindo um pouco mais sobre ele. Obrigado!
ResponderEliminarO que me dá um pouco de vontade de espreitar - apenas um pouco, confesso - é ler que tem como inspiração um dos meus favoritos de todos os tempos, Blade Runner (que por sua vez se baseia no conto / novela de Phillip K.Dick, Do Androids Dream of Electric Sheep?) Esta capa... hummmmm, não sei, não.
ResponderEliminarAh, a capa. Para mim, foi um daqueles casos em que, no início, estranhei, mas depois li as primeiras páginas e descobri que corresponde com bastante precisão à descrição da protagonista. Por isso aprendi a gostar dela. :)
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