Séculos diferentes, vidas divergentes... as mesmas questões. Assim se traçam as linhas deste livro, em que, através das viagens de múltiplos protagonistas, percursos tão incompletos como a memória dos séculos e vivências terríveis ou inebriantes, se traça uma viagem entre tempos e lugares para contemplar a universalidade humana. As histórias são muitas: a da filha de escrava feita revolucionária; a do casal que viajava por terrenos perigosos para adquirir conhecimento; a do marinheiro que quer viver o seu amor. E a de um presente mais próximo, em que um casal quer transpor os registos do passado para a actualidade. Histórias que se entrelaçam, que convergem... e que cativam, acima de tudo, pelas pequenas coisas.
Não é fácil falar sobre este livro. Nem o tempo nem as viagens das várias personagens seguem um trajecto propriamente linear e as relações entre as várias histórias são mais intuitivas que efectivas. Assim, não é fácil traçar um rumo preciso que una todos estes elementos. E, porém, a unidade parece estar lá, não só pelas descobertas que põem em contacto as personagens dos diferentes tempos, mas principalmente pelas questões por elas representadas. A escravatura, o poder dos censores, as leis absurdas que só se contornam com subornos... talvez sejam elementos diferentes, cada um pertencente ao seu período temporal, mas todos representam uma mesma coisa - o poder dos mais fortes sobre os mais fracos.
E é esta a ideia que sobressai deste romance - a de uma viagem através do tempo em que há, afinal, tanto que fica igual. Ainda assim, nem tudo se cinge a esta questão. Há, no percurso das várias personagens uma série de momentos intensos - perigos, barreiras, dificuldades. E, havendo na própria natureza das personagens algo que desperta empatia, torna-se fácil querer saber o que se segue para elas, de que forma ultrapassarão esses obstáculos e que sorte os aguarda no fim do caminho.
O que me leva ao que é, para mim, o ponto talvez um pouco menos bom: a imensa curiosidade insatisfeita que este livro deixa, fruto não só de um final bastante aberto, mas também dos espaços em branco deixados pelo meio. Não deixa de fazer sentido esta forma de contar a história - tendo ela a forma de um congregar de escritos preservados pelo tempo, é inevitável que ficasse em aberto o espaço daqueles que o tempo perdeu. Ainda assim, fica aquela vontade de saber o que aconteceu às personagens no tempo perdido - e o que estaria para acontecer a seguir.
No fim, fica a impressão de uma história que podia, talvez, ter sido um pouco maior - mas que, apesar de tudo, resulta tal como está. Viagem através do tempo e das memórias preservadas, deixa à imaginação do leitor a parte que fica por contar. E o que conta... bem, nisso cativa desde o início e surpreende até ao fim. Gostei.
Título: A Ilha de Martim Vaz
Autor: Jonuel Gonçalves
Origem: Recebido para crítica
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