1956. A vida na província é pacata, sossegada. O pensamento dominante rege-se por linhas muito claras e ai de quem ousar contrariá-las. E ninguém sente tanto isso como Cristiana Correia que, sob o olhar atento e controlador da mãe, sabe que nunca poderá transgredir. Noiva do melhor amigo do irmão, Cristiana conformou-se ao destino que lhe escolheram, de modo a evitar confrontos cujas consequências não pode prever. Mas há um destino diferente à sua espera e, quando vai passar férias a casa da melhor amiga, Cristiana cruza-se pela primeira vez com um homem capaz de lhe arrebatar o coração. A paixão é forte, arrebatadora, irresistível. Mas numa sociedade de convenções tão rígidas, poderá Cristiana desafiar todas as regras? E, mesmo que esteja, será isso suficiente quando todo o mundo parece opor-se ao seu amor?
História de amores e de convenções questionadas e, ao mesmo tempo, retrato dos pensamentos e costumes de uma época, poder-se-ia dizer que este romance se forma a partir de duas facetas complementares. Por um lado, os amores possíveis e impossíveis, os sentimentos a surgir num mundo de regras muito estritas. Por outro, essas mesmas regras, a forma como toda uma existência é condicionada pelas convenções, pelos bons costumes, pelo que as pessoas vão dizer. E a forma como a autora entrelaça estes dois fios tão complexos é algo de surpreendente e fascinante: primeiro, porque tudo converge num todo harmonioso. Mas principalmente pela forma como conduz o enredo, partindo do que parece ser uma inocente história de amor para algo mais complexo e intrincado, cheio de traições e intrigas maquiavélicas e onde a inocência só parece ter direito a um lugar: o da vítima a ser sacrificada.
Ainda que o amor de Cristiana seja a base central de grande parte dos acontecimentos, a narrativa acaba por ser muito mais que uma história de amor. Há a história do irmão de Cristiana, a intriga política, a teia de segredos dos Correia, com todas as consequências que poderá vir a trazer. E tudo isto converge num enredo que começa por parecer bastante simples, mas que, à medida que desvenda a sua verdadeira complexidade, ganha uma maior dimensão - e um novo fascínio. Fascínio que se estende também a forma como a autora constrói as suas personagens, revelando-as primeiro no rosto que mostram ao mundo e depois na sua verdadeira natureza, despertando empatias para depois as destroçar e, num cenário onde tanto é falso e moldado à imagem das aparências, reforçando o poderoso impacto do que são as verdadeiras emoções.
E depois de tudo isto - das intrigas, dos pecados escondidos, das transgressões cometidas em nome da moral e dos bons costumes e das traições justificadas por interesses pessoais - há Nils, talvez a personagem mais constante em toda esta história e, por isso mesmo, uma âncora firme neste mundo tão mutável. Carismático e impressionante, consegue ser a alma da história mesmo quando passa para segundo plano. E, tendo em conta a forma como tudo se conclui, deixando tantas provações para trás, mas também várias questões por resolver, a constância de Nils acaba por ser o que mais fica na memória... numa história em que demasiadas personagens parecem dispostas a esquecer.
Retrato de uma sociedade (demasiado) conservadora e história de um amor contra o mundo, trata-se, em suma, de um livro memorável. Pelo enredo, pelas personagens, pela pertinência com que realça as contradições das mentalidades fechadas. E, acima de tudo, pela voz com que dá forma aos momentos mais negros e às mais intensas emoções, sem nunca seguir pelo caminho fácil... mas deixando um pouco de esperança ali tão perto. Marcante, surpreendente e emotivo, um livro que prende do início ao fim. E que, por isso, não posso deixar de recomendar.
Título: Imaculada
Autora: Paula Lobato de Faria
Origem: Recebido para crítica
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