quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Os Pássaros de Seda (Rosa Lobato de Faria)

Lugar de lendas e de mistérios, Pedra Moura, casa de uma moura encantada capaz de profetizar grandes mudanças, tornou-se o lar para dois irmãos de afecto. Mário e Diamantina cresceram naquelas terras, viveram e construíram - e travaram batalhas contra os seus próprios corações. E um dia foi lançado o desafio: escreverem cada um, a sua história, para depois poderem comparar os dois relatos. Mal sabia Diamantina que o livro de Mário seria o testamento que ele lhe deixava. E que, ao ler as palavras do mais próximo dos amigos - pois nunca o pode ver de outra maneira - viria a descobrir tanto que não sabia...
História de vidas aparentemente simples, mas unidas por laços dos mais fortes sentimentos, este é um livro que começa por prender pela estranha espécie de nostalgia que marca as primeiras páginas e que, depois, abre caminho a uma ampla passagem para o passado. Partimos do fim, do momento em que Diamantina começa novamente a recordar e, assim, com ela descemos à memória de um percurso que foi tanto de crescimento como de superação. E há algo que, desde logo, se destaca nesta viagem ao passado: é que grande parte do romance é o livro de Mário, mas a história, essa, é acima de tudo a de Diamantina (por razões que o próprio Mário se encarregará de confessar). 
Ao deixar um dos protagonistas contar a história do outro, o que acontece é que a própria narrativa parece ganhar a forma dos sentimentos que quer exprimir: como se o livro que Mário escreveu contivesse, enfim, os sentimentos a que nunca pôde dar voz. Mas há ainda um outro efeito nesta forma de contar a história: é que é possível ver Diamantina pelos olhos de quem melhor a conhece e, assim, ajuizar com a necessária clareza, mas também com empatia, da sensatez das suas decisões. É como se, ao ler o romance, se ganhasse também um papel próximo - ainda que menor - no desenrolar dos acontecimentos, o que, escusado será dizer, torna todos os momentos muito mais marcantes.
Mas há ainda muito mais a desvendar neste livro, desde a fluidez de uma escrita de onde cada sentimento emerge com as palavras certas ao desenrolar de uma sucessão de acontecimentos em que é fácil antever os problemas - como o próprio Mário os anteviu - mas de onde sobressai a mesma impotência que tão participante narrador terá sentido. Tudo parece, afinal, tão simples - e, contudo, há tanta complexidade na vulnerabilidade das personagens. E, entretanto, a vida passa - e a história continua sempre. 
No fim, tudo converge para uma realidade mais dura - mais longe dos sonhos, mais perto da vida que fica depois das ilusões perdidas. Mas é isso, acima de tudo, que torna tão memorável esta viagem ao passado: a certeza de que, com todas as suas fragilidades e defeitos, Mário e Diamantina podem ter posto tudo em causa, menos o afecto. Esse, pelo menos, é irrecusável.
Eis, pois, o que fica desta leitura: uma viagem envolvente e memorável, repleta de emotividade e descoberta, e em que a vida não deixa espaço para a perfeição - pois não há tempos perfeitos nem vidas perfeitas, e muito menos pessoas perfeitas. Marcante em todas as suas facetas e especialmente no modo como retrata as múltiplas faces do amor (seja redentor ou destrutivo, obsessão eterna ou lampejo temporário, carnal, platónico, fraterno ou maternal), um livro que encontra um espaço na memória - e lá se aninha durante muito tempo.

Autora: Rosa Lobato de Faria
Origem: Recebido para crítica

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