Habituado a mudar de escola ao ritmo das deslocações do seu pai diplomata, Osei sabe que só há uma coisa pior do que ser o novo aluno: ser o novo aluno negro numa escola de brancos. E, porém, tudo parece começar estranhamente bem naquele primeiro dia na escola nova. Consegue sentir a estranheza dos outros, mas conhece Dee e rapidamente surge um sentimento forte entre os dois. O problema é que Dee pode parecer imune aos preconceitos dos outros, mas há quem queira ensinar uma lição ao novo aluno. E, quando a intriga começa a ganhar forma, a força do preconceito manifesta-se... e nada será igual no fim do dia.
Um dos primeiros aspectos a sobressair neste livro - e, ao que parece, também uma característica desta colecção - é que, apesar de ser uma recriação de uma tragédia de Shakespeare, a história é algo de único e independente. Sim, é fácil identificar os paralelismos e os elementos que ainda hoje fazem da obra de Shakespeare algo de intemporal. Mas a história contada pela autora e a forma como transpõe todos estes elementos para um ambiente diferente e para um tempo mais próximo conferem a este romance relativamente breve uma identidade própria.
Tudo acontece no espaço de um dia - um dia capaz de conter todas as mudanças do mundo. E, talvez por esta linha temporal relativamente curta, a primeira impressão é de uma certa estranheza, pois os sentimentos que nascem, crescem e morrem ao longo do caminho quase parecem demasiado fortes para percorrer um tão vasto percurso tão depressa. Mas, na verdade, o ritmo faz sentido. Osei e Dee são crianças e vivem ainda no tempo em que os grandes primeiros amores começam e acabam em poucas horas. E é isto aliás que torna tudo tão impressionante. São crianças, mas a moralidade manifesta-se, e da mesma forma o preconceito, a intriga, o ódio implacável. São crianças que representam, afinal, problemas adultos. E, tendo em conta a forma como tudo evolui, é muito difícil não ter presente esse facto.
É também daqui que vem o grande contraste que parece pautar todo o enredo: o da inocência de um grupo de personagens maioritariamente muito novas, com a da crueldade, da intriga e do racismo já interiorizado na mente de algumas dessas personagens. É fácil, por um lado, ficar-se encantado com a naturalidade da relação que nasce entre Osei e Dee. E depois é esse mesmo encanto que reforça o impacto do tão grande lado sombrio que nasce em torno dessa relação: a intriga de Ian, os preconceitos vocalizados sob a desculpa da preocupação, o ressentimento latente que até nos que são realmente adultos se manifesta sem regras. Tudo isto perturba, principalmente se tivermos em conta que muitos destes comportamentos não se desvaneceram com as décadas passadas desde o tempo em que decorre o enredo. E a forma como tudo se encaminha gradualmente para a sensação cada vez maior de que não, isto não pode acabar bem, é também parte do que grava este livro na memória, independentemente das perguntas que acabam por ficar sem resposta.
Intenso, envolvente e com um muito poderoso equilíbrio de contrastes, eis, pois, um livro para ler de uma assentada - e para depois ficar a pensar em toda a vastidão de perguntas pertinentes escondidas numa história aparentemente tão breve...
Título: O Novo Aluno
Autora: Tracy Chevalier
Origem: Recebido para crítica
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