No dia em que encontra uma cenoura inteira na sua sopa, Felix Salinger julga ter recebido finalmente o sinal que tanto esperava: os pais vêm aí e vão finalmente tirá-lo do orfanato. Mas, apesar da sua imaginação tão fértil, a realidade é muito mais complexa do que Felix alguma vez pensou. E, quando vê um grupo de soldados a queimar livros no orfanato, Felix sabe que tem de fugir e de esconder os livros que os pais deixaram na livraria. Mal imagina ele que os livros estão longe de ser o último problema - e que, na sua inocência, mal consegue conceber a verdadeira dimensão das sombras que se avolumam sobre o mundo...
Relativamente breve e visto essencialmente pelos olhos do protagonista, este é um livro em que o primeiro aspecto a sobressair não podia ser outro que não a inocência de Felix. E é uma inocência quase que ilimitada, que, desde logo, desperta sentimentos fortes. Primeiro, porque é difícil não admirar a imaginação do protagonista e a forma como, a partir do muito que não sabe, consegue sempre construir a melhor explicação possível - mesmo num cenário que não é muito agradável. Depois, porque esta tão grande inocência no contexto em que tudo decorrer afirma desde logo uma grande e dolorosa certeza: Felix tem muitas desilusões à sua frente.
Não é, nem pretende ser, uma história exaustiva sobre a vida das crianças judias durante o domínio nazi. E, tendo em conta que há vários outros livros na sequência deste, nem sequer é a história completa de Felix. Mas é interessante reparar que, apesar da relativa brevidade e da forma como a história é construída, centrando-se no percurso das personagens e revelando a informação à medida que vai sendo necessária, nada retira à envolvência da leitura. E até o que é deixado por dizer acaba por deixar sobretudo uma grande vontade de ler os próximos livros.
E quanto à inocência... bem, a inocência inicial é o que torna toda a história tão marcante, pois é difícil não se ficar comovido quando se vê uma criança a tentar contar histórias positivas para apagar da mente - da sua, ou da dos que com ele se cruzam - as verdades dolorosas de um mundo cada vez mais sombrio.
No fim, fica a vontade de ler mais, aquele rasgo de emoção que nos faz pensar que partilhámos um bocadinho de vida com as personagens que estivemos a acompanhar e a certeza de que a história de Felix pode ser imaginária - mas há muita verdade contida no seu interior. Uma boa história, uma boa leitura... e uma série de livros para continuar a descobrir.
Título: Um Dia
Autor: Morris Gleitzman
Origem: Recebido para crítica
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