Movido por genuíno afecto e por uma curiosidade irresistível, Querefonte desloca-se a Delfos para obter a resposta às suas perguntas, mas essas mesmas respostas assombrá-lo-ão para o resto da vida. Além de confirmar a inigualável sabedoria de Sócrates, o oráculo profetiza-lhe uma morte violenta "às mãos do homem do olhar mais claro". E, ao regressar, eis que Querefonte descobre que o seu amigo Eurímaco teve um filho com uns olhos claríssimos. Entretanto, por volta da mesma altura, foi rejeitada em Esparta uma criança saudável, que deveria ter morrido, mas que o destino salvou. E todos estes caminhos convergem. Atenas encaminha-se para uma longa guerra. Sócrates ganha fama, mas também inimigos. E Perseu cresce para se tornar um grande homem, mas também assombrado pelo que sente e pelo que não sabe...
Extenso não só em termos de número de páginas, mas também no período que abrange e no seu vasto leque de personagens, este é um livro que leva o seu tempo para que se possam assimilar todos os seus pormenores e qualidades. E diga-se já que qualidades não lhe faltam, desde a beleza de uma escrita cativante que transporta o leitor para os momentos que descreve a personagens e intrigas tão complexas quanto marcantes. Vale, pois, a pena cada momento dedicado à leitura deste livro - até porque a sua marca permanece muito depois de chegada a última página.
Pese embora o título do livro, a história não gira em torno de nenhuma grande intriga com vista a assassinar o filósofo, ainda que essa intriga venha, de facto, a ocupar o seu espaço. É mais do que isso. Aliás, Sócrates nem chega a ser verdadeiramente o protagonista directo da narrativa, mas antes a sombra guia que faz com que tudo se mova. É uma personagem notável, naturalmente, mas que complementa uma linha central mais vasta que opõe Perseu e Aríston, Atenas e Esparta, a guerra e a paz.
Todas as personagens têm algo de notável e a precisão com que o autor as constrói torna-as marcantes desde muito cedo. E, à medida que a história se desenrola, os sentimentos que despertam vão-se também tornando mais intensos, seja a empatia profunda por alguém vulnerável, a inevitável aversão face aos mais detestáveis dos intervenientes ou algo mais complexo e indescritível que surge quando a clara divisão entre bem e mal cede lugar aos múltiplos tons de cinzentos. É que, em plena guerra, há espaço para atrocidades de ambas as partes. E a forma como estas surgem na história, contextualizando um enredo que é, acima de tudo, o percurso pessoal das personagens, mas que o contexto transforma em algo de maior, confere um maior impacto a cada grande reviravolta.
E há tantos momentos marcantes... e o autor dá-lhes tanta força... Seja a intensidade de uma grande batalha ou o desencadear falhado de uma revolução doméstica, um grande discurso público ou a mais ténue troca de olhares proibidos, tudo parece ter precisamente o tom certo. E talvez seja por isso que a sensação que fica é a de que tudo atinge o equilíbrio perfeito... e que, ao longo destas mais de seiscentas páginas, viajámos realmente até à Grécia antiga.
Memorável será, pois, uma boa palavra para descrever este livro: memorável no contexto que apresenta, no cenário meticulosamente construído, e memorável, acima de tudo, nas personagens e na história que lhes traça. O resultado é uma leitura cativante, sempre surpreendente e marcante em todos os aspectos. Brilhante, em suma.
Título: O Assassinato de Sócrates
Autor: Marcos Chicot
Origem: Recebido para crítica
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Ando a ler este livro e sem dúvida que tenho desfrutado muito. É excelente para quem como eu tem um fascínio pela Grécia Clássica e por todo o espírito da época. A inclusão de Alcibíades, se bem que como personagem secundária, foi para mim um extra imenso, já que o considero uma das figuras mais complexas e interessantes da História.
ResponderEliminarBoas leituras,