segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O Tempo nos Teus Olhos (José Rodrigues)

Dizem que o amor não tem idade, mas, quando a morte lhe levou Teresa, Manuel descobriu que as décadas partilharam não reduziram em nada o amor profundo que a unia à esposa. Agora, sozinho pela primeira vez, vê-se sozinho e dividido entre a sua própria vontade e a das filhas, que, obcecadas pelo que ele lhes poderá deixar, querem pô-lo num lar de onde possam controlar os seus actos. Mas Manuel sempre foi teimoso e, numa excursão desse lar para onde relutantemente se mudou, descobre uma outra residência - e uma residente - que o apaixona. Decide, pois, seguir o coração... na esperança de que os seus últimos anos lhe tragam também as melhores recordações. 
Mais do que uma história marcante, embora a história em si tenha, de facto, muito de bom, o que torna este livro realmente notável surge da mensagem maior escondida nas esquinas desta história. Manuel, abalado pela morte da esposa, sozinho e dividido entre a sua própria vontade e os planos que as filhas insistem em lhe impor, podia muito bem ser o retrato de muitas outras pessoas espalhadas por esse país. E a sua história está pejada de mensagens marcantes, desde a importância do amor em todas as ideias, ao valor de afectos que deviam ser mais importantes que as coisas materiais, passando pelo impacto da solidão, principalmente nas vidas dos que estão mais vulneráveis. Há muito material para reflexão ao longo deste livro e é isso, bem como a forma que este material assume, que torna este livro tão memorável.
Não se pense porém que a história perde força por ser a mensagem que mais se destaca. Com as suas personagens fortes, tanto as que despertam empatia como as que geram uma inevitável irritação, o autor constrói uma narrativa cheia de momentos comoventes, de surpreendentes rasgos de humor e de uma ternura transbordante que fica também na memória. Não é difícil adivinhar o fim de tudo, mas o caminho esse... o caminho é belíssimo. 
E depois, claro, há a forma: a escrita, introspectiva e emocional, que mergulha nos meandros do coração das diferentes personagens; e as fotografias, que quase acrescentam outras histórias à história, reflectindo momentos e dando à leitura uma nova perspectiva. Ambas conjugadas num equilíbrio perfeito, que torna a leitura mais marcante e o objecto de leitura mais belo.
Finda a leitura, ficam as memórias - um pouco à imagem do que acontece com as personagens que povoam este livro. E é este sentimento de plenitude, de ter mergulhado num livro que deixou mais do que apenas a impressão de uma boa história, que torna esta leitura tão marcante. Porque é como ter estado lá com eles, ainda que apenas por um bocadinho. 

Autor: José Rodrigues
Origem: Recebido para crítica

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