A escrita, a guerra, a família, os livros e os leitores. A morte, a posteridade, a fama, a vida social ou a falta dela. E mais, ainda e sempre muito mais. Tudo isto faz parte deste livro que, mais que um conjunto de entrevistas, é o registo de várias conversas com António Lobo Antunes. Conversas, que, apesar da afirmação de que o leitor tem direito aos livros, não à vida privada do escritor, vão muito mais além que um simples olhar sobre a obra.
Será talvez uma frase estranha para começar a falar sobre um livro de conversas, mas não deixa de ser verdade que a primeira coisa a cativar nesta leitura é a voz. A voz, porque, pertencendo inevitavelmente a um registo diferente do dos livros de António Lobo Antunes (pois será nesses que vai a vida), tem, ainda assim, uma unicidade tão clara e tão estranhamente fascinante que é quase impossível não se ficar imediatamente absorvido no tom quase que intimista (e, porém, tão reservado) das conversas. É como se tudo assumisse um registo único, que, preservando os recantos mais pessoais da vida privada, abrisse, ainda assim, uma porta para conhecer um pouco melhor o homem para trás da obra - numa voz tão invulgar como a que define a obra em si.
Também muito interessante é o facto de não serem entrevistas propriamente ditas, mas conversas que fluem ao ritmo dos assuntos que surgem. Claro que isto tem uma contrapartida - é que o ritmo do pensamento leva várias vezes ao mesmo sítio e, assim sendo, há vários pontos repetidos ao longo das várias conversas. Ainda assim, não deixa de ser interessante esta naturalidade com que tudo parece fluir - como que voltando a ideias recorrentes e, ao mesmo tempo, acrescentando-lhe outras perspectivas. Por vezes coerentes, outras vezes contraditórias - como seria de esperar, aliás, ou não fosse o ser humano contraditório por natureza.
Mas e quanto ao conteúdo? Bem, quanto a isso, destaca-se toda uma vastidão de ideias, de perspectivas bem vincadas, de olhares muito claros sobre coisas tão vastas - e porém tão simples - como a amizade, o amor, as ligações familiares, a escrita. Claro que há elementos com mais impacto. Por exemplo, surpreende a visão de um século XIX de génios e de uma actualidade medíocre. Mas, mais que estas opiniões vincadas, com as quais se pode concordar ou não, ficam na memória as ideias mais pessoais: a de uma vida que não faz sentido sem a escrita; a de um carácter para o qual a ingratidão é o mais horrível dos defeitos. Fica-se com uma imagem diferente, talvez. E certamente com muito em que pensar.
A impressão que fica é, pois, a de um livro surpreendentemente pessoal, com uma voz única e muito de interessante para descobrir nas suas páginas. Cativante, muito, muito agradável e com muito (e bom) material para reflexão, vale muito a pena conhecer este conjunto de conversas.
Título: O que faria eu se estivesse no meu lugar?
Autor: Celso Filipe
Origem: Recebido para crítica
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