sexta-feira, 18 de maio de 2018

Elmet - Vidas Desencantadas (Fiona Mozley)

Daniel vive com o pai e Cathy numa casa relativamente isolada. Foi o próprio pai que a construiu e a vida que levam está muito distante das normas e dos padrões do mundo para lá da pequena comunidade para onde se mudaram. Mas aquele é um meio peculiar, onde o poder está concentrado em poucas - e brutais - mãos e onde tudo se resolve sem recurso às autoridades. A casa, que o pai de Daniel disse que lhes pertencia, pertence afinal ao poderoso senhor Price e este tem as suas exigências para permitir que eles continuem ali. Exigências que implicam um preço incomportável...
Provavelmente o elemento mais fascinante deste livro é a forma como se entranha aos poucos, com a sua aura de mistério e de isolamento e a melancolia resignada (ou, pelo menos, até certo ponto) que parece definir o ambiente global. A história surge pelo olhar de Daniel, o mais novo dos três, mas já plenamente consciente da vida à sua volta, e assim, tudo surge com os contornos de uma relativa inocência que inevitavelmente conduz ao desencanto.
O resultado é um contraste poderoso: por um lado, há uma fase de crescimento - e de um crescimento nada fácil - em que ainda se vê o mundo como relativamente simples. Por outro, há uma descoberta gradual da brutalidade humana, dos limites da possibilidade de confronto quando os inimigos são mais e mais fortes, da percepção de que nada é seguro e tudo acaba. Às vezes, Daniel torna-se pouco mais do que um espectador impotente da sua própria vida. E esta consciência evoca uma tristeza tão forte - e expressa de modo tão impressionante - que é impossível não sentir com a personagem.
Há também como que um crescendo de intensidade na narrativa, que, partindo de uma relativa tranquilidade inicial, ainda que desde logo pautada pela omnipresente melancolia, evolui aos poucos para um cenário de maior tensão e de maior brutalidade, culminando num final que a serenidade aparente do início torna ainda mais devastador. E tudo - da calma à mais tremenda tempestade - num registo ao mesmo tempo contemplativo e revelador, em que os laivos de introspecção e de poesia contrastam vivamente com a crueldade dos actos. Com a crueldade da vida, aliás.
Não é - nem pretende ser - uma leitura viciante, pois a relativa languidez da evolução serve também o seu propósito na construção do ambiente. As coisas começam a acontecer devagar, mas, quando tudo se desencadeia, já não há forma de parar antes do fim. E é esta sensação de inevitabilidade, presente mesmo quando nada de mau parece acontecer, que torna tudo tão impressionante. Pois podemos não saber ao certo o que virá - mas virá deveras, e trará graves consequências.
Retrato de uma vida para lá das regras - ou com regras distintas - e, acima de tudo, de crueldade e isolamento no seio de uma comunidade, trata-se, pois, de um livro que cativa desde o início e que, com o seu ambiente soturno e fascinante, abre as portas de alguns dos meandros mais negros da condição humana. Recomendo.

Autora: Fiona Mozley
Origem: Recebido para crítica

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