Filho de emigrantes portugueses, José nunca se sentiu totalmente enquadrado em Bordéus. E, apesar dos laços de afecto que o unem à sua namorada, a vida do adolescente é tudo menos tranquila e harmoniosa. Em casa, a mais pequena transgressão é recebida com violência. Na escola, José não vê motivos para se esforçar e, do preconceito de alguns professores, faz causa de toda a sua desgraça. A sua única esperança é o planeado regresso da família a Portugal no espaço de um ano. E, até lá, sobreviver aos maus momentos e desfrutar dos bons, procurando alcançar a tranquilidade possível. Mas, entretanto, o mundo move-se... e o tempo não pára para ninguém...
Retrato das dificuldades da emigração e de uma mentalidade bastante distinta da actual (ainda que com pontos ainda bem presentes), este é um livro que desperta sentimentos contraditórios. Por um lado, as circunstâncias difíceis do protagonista e os paralelismos com tantas outras vidas do mesmo tempo, despertam uma imediata empatia, ao mesmo tempo que levantam várias questões relevantes. Por outro, há pontos e temas que, por falta de uma conclusão vincada ou pela simples aceitação, parecem, talvez, demasiado normalizados. Mas vamos por partes.
A história gira essencialmente em torno da figura de José, adolescente dividido entre dois mundos e a lidar com pequenas e grandes dificuldades no seu caminho. E, sendo ele o cerne de toda a história, é apenas natural que o registo se torne bastante pessoal, no que aos seus sentimentos e dilemas diz respeito. Assim, a escrita cativa principalmente por expor claramente as emoções do protagonista, ainda que por vezes se disperse em descrições de locais e contextos que, embora tornando o texto mais pausado, permitem também uma visão mais clara do cenário global.
É deste cenário global que emergem as questões relevantes: a vida dos emigrantes em França nos anos 80, com as dificuldades, o preconceito e a eterna saudade da terra natal. Mas o mais curioso é a posição de José, nascido em França, mas sentindo-se sempre português, que põe no regresso todas as esperanças de superação das barreiras, barreiras essas em parte erguidas por ele mesmo e em parte pelo mundo que o rodeia. E é aqui que começam os sentimentos contraditórios, pois, se é verdade que José é, em alguns aspectos, vítima, noutros são as suas escolhas a colocá-lo na posição em que se encontra.
A dúvida essencial vem, todavia, de outro aspecto. A vida familiar de José implica castigos pesados, humilhação e violência injustificada. Este é um elemento presente ao longo de toda a história, sendo aliás a base de alguns dos momentos mais angustiantes. E é precisamente por isso que o final deixa tantos sentimentos ambíguos, pois, se faz um certo sentido um final aberto, fim de um ciclo e início de uma nova fase, o facto de deixar em aberto todas estas questões - a violência familiar, o futuro possível, a relação disfuncional de uma família onde a desvalorização do outro é algo de normal e onde parece haver tudo menos amor - parece quase normalizá-las, deixando sem resposta a razão que mais empatia despertou durante todo o percurso.
E assim, ficam portanto sentimentos contraditórios, de uma leitura essencialmente cativante e com vários momentos marcantes, onde por vezes fica demasiado por resolver. Valeu a pena a viagem, ainda assim, a este retrato de um passado não muito distante e de uma saudade ainda e sempre intemporal.
Título: Insustentável Saudade
Autor: Jorge Afonso
Origem: Recebido para crítica
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