segunda-feira, 18 de março de 2019

A Mulher do Roupão de Seda (João Bernardo Soares)

Fátima passeia-se pelo prédio vestindo um roupão de seda como se nada se passasse no seu mundo. E, embora muitos a achem estranha, poucos parecem saber o segredo escondido no interior do seu apartamento. É uma mulher com um passado de dor e um presente de vingança. É também uma mulher capaz de chamar a atenção dos homens, inclusive de Flávio, um rapaz com idade para ser seu neto. Só que Flávio também não é um rapaz normal: em tempos, para lidar com um pesadelo recorrente, a avó levou-o a uma bruxa que fez uma profecia macabra. E agora, dez anos depois, essa profecia parece começar a ganhar vida.
É difícil dizer muito sobre este livro, pelo menos no que à história diz respeito, sem contar demasiado. A narrativa oscila entre diferentes períodos da linha temporal, e também entre diversas personagens, o que faz com que cada pequena revelação acabe por adquirir uma importância inesperada numa fase posterior do enredo, ainda que inicialmente possa parecer inofensiva. Assim sendo, é difícil traçar contornos para esta história sem estragar o efeito surpresa - e surpresas é o que não falta neste livro.
Deixando, pois, o enredo no campo dos enigmas que tão bem lhe assentam, passemos então às personagens. É talvez aqui que se encontra a maior força, e também a maior ambiguidade. Em certa medida, todas as personagens são vítimas de algum tipo de padecimento, e é este a força motriz para tudo o que virá depois. E estas múltiplas formas de padecimentos - maus-tratos, pesadelos, fantasias, desejos de vingança - fazem também com que nenhuma das personagens seja propriamente linear, pelo menos num sentido de separação clara entre bem e mal. A sensação que fica, ao longo de toda a leitura, é como um não saber o que pensar das personagens, que, não sendo heróis nem vilões, mostram um pouco de ambos, à medida que o enredo se encaminha para a derradeira conclusão. E assim afecto se transforma em ódio, numa história com tanto de emocional como de macabro e onde nada - mas mesmo nada - é tão simples e recto como parece.
Há ainda um outro aspecto a destacar, e prende-se naturalmente com a forma como a escrita parece realçar cada uma das múltiplas facetas e interrogações do enredo. Às vezes, adopta o tom simples e descontraído típico de um rapaz de dezassete anos. Outras, adensa-se para realçar o negrume da dura e cruel vida na aldeia. E outras ainda, parece verter-se em contrastes, ao ritmo de uma memória que ressurge em clarões. O impacto ajusta-se na perfeição àquilo que é narrado, sem dizer tudo, sim (o que deixa, claro, uma certa curiosidade em aberto), mas dizendo sempre o suficiente.
Um mistério pejado de mistérios: passados, presentes e... futuros. Assim é, pois, este livro, onde múltiplas vidas se cruzam e onde uma certa magia sombria contribui para cruzar destinos contrários. Cativante, intenso, e com um estranho e fascinante equilíbrio entre leveza e escuridão, um livro que prende desde as primeiras páginas e nunca deixa de surpreender. 

Autor: João Bernardo Soares
Origem: Recebido para crítica

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