terça-feira, 5 de maio de 2020

Os Cavaleiros de Heliópolis - Rubedo|Citrinitas (Alejandro Jodorowsky e Jérémy)

Descendente de uma linhagem sagrada, homem e mulher em simultâneo, Asiamar tornou-se Cavaleiro de Heliópolis após muitas e insondáveis provações. Sê-lo implica pôr a humanidade acima do indivíduo e encaminhar para a ruína aqueles que almejam destruí-la. Mas há ainda um coração que sente sob a armadura do cavaleiro. Asiamar deixou a sua marca em Napoleão, mas a impressão foi recíproca. E, mesmo que consiga encontrar a sua crueldade interior, a sua influência sobre o mundo não se esgota na ruína do imperador. Pois, para quem pode viver trinta mil anos, o tempo de uma vida normal é fugaz. E há outros segredos à espera, outras acções... e a certeza de que o trabalho nunca se esgota.
Existe algo de absurdamente fascinante na forma como este livro consegue debruçar-se sobre uma base oculta tão complexa e ritualizada, transpondo-a para uma história tão intensa e cativante que tudo se torna claro e natural. Os segredos dos Cavaleiros são imensos e inexplicáveis, mas tudo parece ter um estranho sentido, e o contraste entre a severa e implacável disciplina da organização e o percurso pessoal de uma personagem que é simultaneamente de um poder sem limites e de uma vulnerabilidade avassaladora é algo de verdadeiramente brilhante.
Tudo gira também em torno de uma espécie de magia que, embora secreta e espiritual, tem manifestações muito visíveis. Ficam, por isso, na memória os cenários impressionantes, a forma como os rituais são encadeados, com tanta cor e intensidade que quase parecem irromper da página. E também os rostos, as expressões, o próprio sentimento que transborda - principalmente de Asiamar. É poderoso e vulnerável - e isso é tão visível nas expressões como nas palavras que profere. E assim, de um mundo tão diferente e tão secreto, nasce uma proximidade tão forte que é impossível não sentir com esta personagem tudo o que ela sente.
E há ainda um último aspecto a destacar nesta história toda ela fascinante. A forma como abrange diversas figuras históricas, de Napoleão a Jack, o Estripador, dando-lhe novos percursos e entrelaçando-os no caminho de uma irmandade imortal, molda os contornos de um todo mais vasto, que culmina num final particularmente poderoso em que, de forma concisa, mas surpreendentemente certa, o futuro se liga ao passado e encerra a linha central da história, deixando, ainda assim, um mar de infinitas possibilidades.
Visualmente belíssimo, fascinante no seu núcleo de personagens e genial na conjugação de uma alquimia complexa com uma sucessão de desenvolvimentos sempre marcantes, global ou pessoalmente, trata-se, pois, de um livro que facilmente se entranha na memória, onde permanecerá durante muito tempo. Constrói para a história uma história secreta, e para Asiamar um equilíbrio perfeito. Que mais se pode pedir, então, a um livro destes, que tão perto anda da perfeição?

Autores: Alejandro Jodorowsky e Jérémy
Origem: Recebido para crítica

Sem comentários:

Enviar um comentário