quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A Assembleia das Mulheres (Zé Nuno Fraga)

Atenas está à beira do abismo... outra vez. E, por mais que os homens discutam, conspirem e se desentendam, não parece haver solução à vista. Eis, pois, que as mulheres decidem deitar mãos à obra e, disfarçadas de homens, intervir na assembleia a fim de promover uma mudança de regime. E que mudança! Pois nada ficará como estava, desde as leis da propriedade às relações íntimas. Mas será assim tão simples mudar todo um sistema? É claro que não.
A primeira coisa que importa dizer sobre este livro é que, embora tratando-se da adaptação de um clássico - e, ao que tudo indica, de uma adaptação que segue literalmente o texto - não é preciso conhecer a obra de Aristófanes para apreciar a leitura. Até porque, uma vez que segue o texto original, chegamos ao fim a conhecê-la! Mas tendo isto em vista, a principal qualidade e a primeira a destacar-se terá necessariamente de ser a capacidade da obra de dar vida e cor a um texto que, sendo da origem que é, tem naturalmente os seus floreados.
E por falar em vida... Importa também salientar que é de comédia que se trata e que não faltam extravagâncias e bizarrias ao longo de tudo o percurso, ao ponto de ficar sempre uma sensação de estranheza recorrente. Mas, mais do que estranheza - e, oh, se há momentos estranhos - fica um humor também singular, que ganha vida não só na peculiaridade das circunstâncias, mas sobretudo na arte e nas suas expressões e rostos particularmente vincados (principalmente num certo episódio lá mais para o fim).
É surpreendentemente breve - ainda que, uma vez que segue o texto original, talvez não houvesse muito a fazer a esse respeito. É inevitável uma certa curiosidade insatisfeita quando às possíveis consequências a longo prazo desta tão particular mudança de regime. Mas é também particularmente marcante que esta comédia grega consiga ser, por vezes, tão actual, sobretudo em certas ponderações sobre o mundo da política.
Breve, mas muito surpreendente, trata-se, pois, de uma adaptação que, mais do que despertar curiosidade para o original, o transpõe para uma forma mais viva e visual. Cativante, divertida e, a espaços, inesperadamente certeira,  uma muito interessante reformulação.

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