quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A Velha Guarda, Livro Um: Abrir Fogo (Greg Rucka e Leandro Fernández)

Já viram mais batalhas do que as que conseguem contar e em muitas delas olharam a morte nos olhos. Mas não conseguem morrer... por mais que os matem. Não sabem porquê, não sabem como funciona, não podem transmiti-lo a ninguém e a única coisa que sabem ao certo é que, quando surge alguém como eles, a sua presença manifesta-se em sonhos até o conseguirem encontrar. Mas terem vivido milénios não significa que seja fácil adaptarem-se ao novo mundo. E há quem suspeite da sua existência... e queira usá-los para os seus próprios fins.
Provavelmente o que este livro tem de mais impressionante é a forma como consegue abordar temas tão potencialmente introspectivos como a passagem do tempo, a mortalidade (bem... ou falta de), a lealdade e a sempre intemporal amizade numa história que está, apesar de tudo isso, carregadinha de acção. Não faltam cenas intensas, caos, morte em grande escala (e repetida), explosões e movimento em geral. É, aliás, o aspecto mais marcante em termos visuais, pois, tendo como base um grupo que já assistiu e travou inúmeras batalhas, é particularmente importante que as que surgem neste livro sejam também memoráveis.
É também o ponto de partida para um contraste poderoso, já que se, de um lado, estão os conflitos constantes, sejam eles missões planeadas ou o resultado de uma traição, do outro estão conflitos mais íntimos, como a apatia da vida demasiado longa (em contraposição ao instinto de sobrevivência, por assim dizer) e a percepção de que tudo - e todos - têm um preço. Há, pois, como que uma força emocional que, inicialmente secundária à acção, vai ganhando intensidade e reforçando os laços, ao ponto de, no fim, estas personagens parecerem já velhos conhecidos (apesar de ser apenas o primeiro volume).
E ainda um outro equilíbrio, entre estranheza e naturalidade. Afinal, estamos a falar de personagens que não podem morrer - e que o demonstram sucessivamente - o que é, por si só, peculiar. Mas, mais do que isso, há as relações complicadas, a amizade de séculos (mas não de pedra), as declarações de amor nos cenários mais improváveis e um ocasional sentido de humor estranhamente fascinante. Tudo é singular, à sua maneira, mas o que começa por ser estranheza vai ganhando força e gerando proximidade. E vontade de saber mais.
Ao fim do primeiro volume, ficam duas fortes impressões: a de uma estranheza que se tornou fascínio e a de um núcleo de personagens que, apesar da sua singularidade, se tornam absurdamente familiares. Junte-se a estas duas uma boa dose de acção, vários momentos dramáticos e muitas surpresas pelo caminho e o resultado resume-se numa palavra: memorável.

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