sábado, 26 de dezembro de 2020

Os Contos Impossíveis (Tiago Moita)

Sonhos mortais e quadros vazios. Aspirações secretas e batalhas pela sociedade. O mundo global e o mundo no cerne de cada um. Real e imaginário em colisão e conjugação. Tudo isto dá forma a estes Contos Impossíveis.
O Cruzeiro, que serve de abertura a este livro, fala de um navio chamado Civilização e da ameaça de um naufrágio provocado pelas forças do medo, do ódio e da ignorância. Breve, mas muito interessante enquanto metáfora da realidade, não dá respostas conclusivas para a história deste barco, mas proporciona muito material para reflexão.
Segue-se Volte Face, história de um cidade dividida ao meio e de como as barreiras geracionais podem ser ultrapassadas. Também relativamente breve e também uma boa metáfora da realidade, surpreende também pela emotividade subjacente a esta história de mais e menos jovens.
Uma Lágrima na Sala fala da descoberta de uma inexplicável lágrima capaz de despertar muitas mais. Surpreendente pela associação de emoções humanas a máquinas, tem, porém, o seu máximo impacto na forma como reflecte a persistência da memória e os diferentes motivos para o choro.
Segue-se Make a Wish, que fala de um filho muito esperado, mas cujo desejo invulgar gera apreensões, fantasias e alguns fenómenos estranhos. Apesar de uma vincada componente espiritual, que implica uma certa crença, esta é uma história que se destaca pela fluidez e pela naturalidade, que faz com que até os elementos mais peculiares pareçam normais.
Vem depois O Sexo dos Anjos, história de um cidade-estado em vias de ser invadida enquanto os seus políticos discutem assuntos inconsequentes. Peculiar, mas estranhamente certeiro, também este conto é uma boa metáfora da realidade, com a sua reflexão sobre a distância que separa a retórica dos discursos e a prática da acção.
A Peça fala de dois criadores com falta de ideias e de como uma gota de sangue os transporta para outra a dimensão. Onírico e cativante, destaca-se sobretudo pela intensidade quase visual das imagens, quase como o verdadeiro contemplar de uma peça.
Vem depois O Quadro Vazio, história de um choque em cadeia e de um possível encontro de todos os envolvidos. Provavelmente o melhor conto do livro, conjuga as medidas certas de mistério, emoção, intriga sobrenatural, introspecção e intensidade. E culmina num final particularmente memorável.
A Estátua Viva fala da realização de um desejo de imortalidade e de maldições que são bênçãos disfarçadas. Relativamente breve, acaba por ser um pouco vago acerca dos actos do protagonista, mas não deixa de ser uma boa reflexão sobre a imortalidade dos gestos.
Segue-se A Metade Maior, história de duas almas sozinhas em busca da sua metade perdida. Onírico e um pouco surreal, acaba por ser também um pouco vago, mas surpreendentemente fluido na sua estranheza.
E o último conto é Antes do Fim, história de um escritor em corrida contra o tempo e da alma e coração que às vezes se verem nos livros. De abertura algo ambígua, vai crescendo em intensidade para culminar num final notável, fechando assim com chave de ouro este conjunto de contos.
Cativantes, surpreendentes, misteriosas e inspiradoras. Assim são estas histórias, às vezes ambíguas, às vezes impossíveis, mas sempre muito interessantes. E feitas de improváveis e de realidades, são também - de várias formas - memoráveis. E dignas de descobrir. 

Sem comentários:

Enviar um comentário