sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Minha Sombria Vanessa (Kate Elizabeth Russell)

Vanessa Wye sempre foi relativamente solitária. Com aspirações criativas, habituou-se a passar o tempo sozinha, a trabalhar nos seus poemas e nos seus sonhos de se tornar escritora. Mas, aos quinze anos, surge uma mudança súbita, quando Jacob Strane, o seu professor de inglês, começa a dar-lhe atenção. À primeira vista, tudo aponta para uma mera simpatia por uma boa aluna, mas há uma certa intensidade, uma manifestação de súbitas - e aparentemente involuntárias - palavras que parecem sugerir algo mais. E Vanessa deixa-se levar pelo que julga ser o início de uma grande história de amor proibido... Dezassete anos depois, outra rapariga vem a público denunciar contactos inapropriados por parte do mesmo professor. E procura o apoio de Vanessa. Mas o que Taylor vê como abuso, Vanessa vê como uma relação singular. E, agora que a verdade começa finalmente a vir ao de cima, terá de analisar como nunca o fez o que realmente aconteceu - nesse ano e depois.
Provavelmente o aspecto mais impressionante deste livro é a forma como a autora consegue reflectir com uma precisão avassaladora todas as complexidades que envolvem a história da protagonista. Não é uma simples história de vítima e de vilão, porque Vanessa nunca se quis ver como vítima e aquilo que vê em Strane é muito diferente do que se reflecte nas acusações das outras alunas. E é tendo esta perspectiva em vista que toda a história vai sendo construída numa delicada linha de ambiguidades, onde não há - pelo menos aos olhos da protagonista - verdades e mentiras absolutas, mas apenas o que conhece e o que não quer admitir.
Não é - e, ainda que Vanessa a veja como tal, isto é algo que desde o início é muito claro - a grande história de amor que vive no pensamento da protagonista. É algo mais sombrio, mais perturbador, mais intrincado. E é algo de impressionante a forma como a autora constrói todas estas facetas. O lado negro de Vanessa, que se manifesta das mais inesperadas formas, o desequilíbrio de poder e o potencial de manipulação que lhe está associado (e a forma como, por vezes, se inverte), a complexa teia de rumores e de verdades - e, sim, de mentiras também - associada a todo o percurso. E, no meio de tudo isto, uma proximidade que nunca é compreensão absoluta, pois nunca o poderia ser, um jogo de atracção e aversão que vai evoluindo a cada novo desenvolvimento e converge num final que tem na ambiguidade a sua maior força.
E importa ainda salientar um último aspecto. Sendo Vanessa uma aspirante a escritora, e grande parte do seu percurso guiado pela sua relação com Lolita, não é propriamente uma surpresa a abundância de referências literárias, sobretudo a Nabokov, mas não só. Mas, mais do que as referências propriamente ditas, sobressai a precisão com que encaixam na história, surgindo sempre no momento adequado, de tal modo que quase parecem construídas para pertencer ali. É como se a voz da autora se harmonizasse com as vozes que cita, reforçando a fluidez e a envolvência das palavras.
Complexo, intenso, perturbador e muito cativante: assim se resume esta história de amor que não o é, na verdade. Uma história sombria, mas fascinante nas suas ambiguidades, além de maravilhosamente escrita e capaz de se entranhar no pensamento bem depois de terminada a leitura. Memorável, em suma, e altamente recomendada.

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