Berlim, 1938. Bernhard e Illo tinham uma vida feliz, com uma carreira em desenvolvimento no cinema, ela a escrever argumentos, ele a caminho de se tornar realizador. Mas tudo mudou com as leis raciais. Ninguém correrá o risco de dar trabalho a judeus, nem no cinema, nem em qualquer outro local, e até as suas próprias casas só estarão seguras durante um período limitado. Desesperados, Illo e Bernhard preparam uma fuga para oriente em conjunto com o pai dela, mas são muitos os que fogem e só há dois lugares disponíveis. Partem com destino a Xangai, mas Illo não suporta a ideia de abandonar o pai. E o que deveria ser apesar de tudo um exílio em família torna-se algo mais negro, mais solitário... só com a promessa da memória a alimentar um sonho aparentemente impossível.
Não será propriamente uma surpresa que um dos aspectos que mais de destaca neste livro seja o contexto histórico. Se é certo que o período propriamente dito tem sido amplamente explorado em todo o tipo de histórias, também o é que nunca deixam de existir novas perspectivas e histórias pessoais marcantes. Este livro explora um caminho diferente, um êxodo talvez menos conhecido, realçando ao mesmo tempo o pleno impacto das atrocidades e a continuidade da vida mesmo quando tudo parece perdido. Bernhard e Illo seguem caminhos diferentes - mas estão ambos no cerne da crueldade e da esperança.
Tendo em conta este contexto, importa referir outro aspecto que também não é uma surpresa, mas é particularmente poderoso: o impacto emocional. É absurdamente fácil sentir com as personagens: o dilema de Illo entre ficar ou partir, o desespero de Bernhard ao ver-se sozinho e perdido, a determinação do pai de Illo num derradeiro gesto, a devastação da perda, a coragem de construir algo a partir dela... e todo o ciclo de aspirações, perdas, novas esperanças e novas perdas que é a vida destas personagens. Há momentos terrivelmente dolorosos e belíssimos rasgos de esperança. E há um sonho e o amor que o acompanha - e isso... isso fala ao coração.
Todo este impacto converge ainda num outro equilíbrio: entre diálogos certeiros e uma arte que parece reflectir na perfeição estes dois elementos. Os diálogos dão a esta mistura de terror e esperança uma voz precisa e certeira. A arte, com os seus vastos cenários, os poderosos contrastes de cor (sobretudo entre cidades diferentes) e a grande expressividade nos rostos, realça não só as diferenças entre os diferentes momentos e locais da história, mas entre os estados emocionais das próprias personagens. Além, claro, dos elementos do filme e da forma como esses inesperados rasgos a preto e branco realçam o lado onírico - ou idealista - da história. Porque é de um sonho que se trata... realizável, pelo menos em teoria, mas um sonho ainda assim.
De esperança e de crueldade, de um período negro, mas onde nem todos os sonhos morreram, e de um amor que prevalece para lá da atrocidade. De tudo isto é feito este Shanghai Dream: viagem ao passado, ao sonho e à esperança... comovente, poderoso e memorável.
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