sábado, 23 de janeiro de 2021

Pulp (Ed Brubaker e Sean Phillips)

Foram já três as vezes em que Max Winter quase morreu. E, à terceira, face a um ataque cardíaco, Max começa finalmente a aceitar que já não é o mesmo que vê na sua imaginação. Para trás, ficou uma vida de fora da lei e até o seu percurso de autor de histórias pulp parece estar finalmente a esgotar-se. Mas o início do  fim é também um início. E a necessidade de deixar algo de bom à mulher que é, na prática, a única luz que lhe resta, leva-o a fazer planos desesperados. Planos esses que o levarão ao reencontro com alguém do passado - e a um plano distinto, movido por valores mais altos, mas que pode muito bem ser o último.
Será, talvez, uma premissa surpreendente a ideia de misturar uma história de bandidos (sim, daqueles dos westerns) com uma história de combate aos nazis. E, tendo isto em vista, seria talvez de esperar uma certa medida de estranheza. Pois, mas não há. E essa é uma das primeiras grandes surpresas e uma das maiores qualidades deste livro: é que o que parece improvável flui com naturalidade, pois tudo faz sentido, desde as mudanças de percurso do protagonista à forma como vinganças antigas dão lugar a novas forças motrizes sem nunca perder de vista os motivos do passado. Tudo encaixa, tanto no rumo da história como no impacto emocional. E esse... esse é particularmente poderoso.
Tendo em conta a dupla de autores, já se espera à partida uma certa medida de desolação, mas não deixa de ser algo de fascinante a forma como, em cada série ou história individual, essa desolação adquire facetas diferentes. Aqui, é o peso da velhice, a contemplação de uma vida que não atingiu os objectivos pretendidos e a presença inexorável da morte quando há ainda algo mais que é preciso fazer. É a mesma sombra que se avista em Criminal ou em The Fade Out - Crepúsculo em Hollywood, mas com matizes diferentes. E esta mistura de novo e de familiar, conjugada com um percurso que facilmente gera empatia, torna a leitura tão empolgante quanto devastadora.
Mas voltando aos contrastes, e à tal conjugação de contextos diferentes. É também particularmente interessante a forma como este contraste se reflecte a nível visual. As cores das cenas de western, mais vivas, sobretudo no vermelho, contrastam com os matizes mais escuros da vida presente de Max Winter. Além disso, há uma diferença nos rostos, que se torna ainda mais clara nas últimas páginas. É como se o peso emocional traçasse marcas físicas (como acontece, na verdade). E como se também isso fizesse parte da alma da história.
No fundo, tudo é memorável, e é essa a verdadeira marca que fica desta leitura. Uma história relativamente breve, mas magnificamente construída, visualmente marcante e, acima de tudo, transbordante de emoção e de intensidade. Impressionante, em suma.

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