quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Tempo Curvo em Krems (Claudio Magris)

O tempo pode voar ou parecer eterno. Esbater-se em memórias fugidias ou prolongar-se no peso da velhice. Traçar memórias, abrir portas a novos caminhos ou simplesmente embalar. E é o tempo, em todas as suas facetas, o verdadeiro protagonista destas histórias. Tempo curvo, sinuoso, labiríntico, relativo, absoluto. Tempo de sempre e nunca. Tempo em todas as formas.
O Porteiro, o conto que abre este livro, fala de um homem que subiu a pulso na vida, mas que, nunca tendo gostado de dar ordens, encontra na velhice uma ocupação diferente, mais simples e discreta, mas que lhe dá prazer. Introspetivo e nostálgico, trata-se de um relato relativamente pausado, mas que, na sua voz quase intimista e no delicado equilíbrio entre presente e passado, memória e atualidade, se entranha no pensamento de forma natural, quase que numa viagem ao intímo do protagonista.
Lições de Música leva um velho mestre de regresso ao seu talentoso aluno, numa mistura de nostalgia e de ténues ressentimentos que traça a memória da juventude do protagonista. Também relativamente pausado, mas fascinante na forma como transpõe a música para as palavras e na sua contemplação da velhice através da memória, trata-se de uma leitura marcante, tanto no que conta como no que se limita a sugerir.
Segue-se o conto que dá título ao livro, Tempo Curvo em Krems. Trata-se de uma visão labiríntica sobre memórias distorcidas, amizades que nunca aconteceram, mas que se voltam a consolidar após um telefonema, e memórias ilusórias que servem de base a uma sinuosa reflexão sobre o tempo. É um conto curioso, cheiro de circunvoluções e labirintos, oscilando entre memórias, teorias e momentos de presença efetiva. Mas é particularmente notável na forma como constrói um ambiente todo ele surreal, mas ainda assim envolvente e intrigante.
O Prémio descreve um serão de celebração de um prémio literário, da perspetiva de um convidado de honra para quem o tempo passou, deixando a velhice, a nostalgia e uma certa incompreensão face às criações dos outros. Tem também o seu quê de sinuoso, na forma como oscila entre as contemplações do protagonista e e caracterização do serão, mas tudo flui de forma equilibrada, e quase que com um toque de leveza por entre a introspeção.
Finalmente, Exterior, Dia - Val Rosandra narra a gravação de um filme vista pelo olhar do seu protagonista na vida real, com todas as memórias e interrogações que a passagem do tempo sempre desperta. Contemplativo e complexo, explora a vida inteira do protagonista em fragmentos e as transformações do mundo em que viveu, sempre com um determinado acontecimento a pairar na sombra, mas sem se sobrepor à contemplação maior. É também um conto pausado, mas com muito de fascinante.
Relativamente breve, mas de complexidades insondáveis, trata-se, pois, de um conjunto coeso, em que cada história é simultaneamente um todo completo e parte de uma contemplação mais vasta sobre a vida e o tempo. Tempo curvo, tempo mutável, tempo relativo. Tempo que se faz memória, tal como as histórias deste interessante livro.

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