terça-feira, 19 de agosto de 2014

O Leitor (Bernhard Schlink)

Aos quinze anos, Michael Berg descobre o amor nos braços de uma mulher mais velha. Cruza-se com ela pela primeira vez num estado de fragilidade, que acaba por ser a desculpa para a voltar a encontrar. E assim, entre uma atracção desconhecida e um embaraço que o parece consumir, Michael descobre-se no centro de uma relação intensa, quase incompreensível, que se torna numa parte essencial da sua vida, para depois se diluir, tão inesperada e naturalmente como começou. Passarão anos até que os seus caminhos voltem a cruzar-se, ele agora um jovem estudante rumo a um grande futuro, ela perante um juiz devido a actos cometidos num campo de concentração. Então, tudo terá mudado, inclusive os sentimentos. Mas há, ainda assim, algo que os aproxima e um segredo que ninguém está disposto a desvendar.
Narrado pela primeira pessoa pela voz de Michael Berg, e percorrendo diferentes fases da sua vida, este é um livro em que o crescimento do protagonista é apenas um dos vários pontos fulcrais que o constituem, mas um dos mais cativantes. Quase ingénuo, no princípio, marcado pela verdade, no fim, mas sempre em busca das respostas certas naquilo que não as tem, Michael acaba por estar em conflito consigo próprio. Assim, a sua voz torna-se, muitas vezes, introspectiva, questionando tudo para encontrar ainda mais perguntas.
É da vastíssima abrangência dessas questões, que, partindo de um único indivíduo, se estendem sobre toda uma geração, que emerge o que este livro tem de mais marcante. Hanna enquanto guarda surge quase como um oposto de Hanna, a mulher que iniciou Michael no amor. Mas, com o evoluir da situação e com o aprofundar das questões na mente do narrador, as duas mulheres confundem-se, aproximam-se, tornam-se uma. E assim, surgem ainda mais questões, sobre como é possível questionar o inquestionável, sobre a humanidade dos que cometeram actos desumanos, dos que os viram, dos que nada fizeram. Na mente de Michael, tudo é analisado e, das suas muitas perguntas e das respostas possíveis, o que surge é um retrato preciso, ainda que nem sempre agradável, da complexidade da natureza humana.
Tudo isto é traçado num delicado equilíbrio entre a distância e emoção, com laivos de poesia nas palavras cruzados com a brutal simplicidade que define o horror. A história é tanto a de um estranho amor como a daquilo que pode ou não ser redimido. E, quanto ao segredo no centro de todas as coisas, acaba por ser quase um raio de luz num cenário sombrio, conferindo um impacto diferente a uma história que é, toda ela, impressionante.
A história de O Leitor acaba por ser, ao mesmo tempo, um caminho de crescimento e de descoberta e uma descida aos abismos da consciência. De amor e de redenção (ou, pelo menos, de reconhecimento), uma leitura complexa, perturbadora e muitíssimo bem escrita. Memorável, portanto.

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