sábado, 9 de agosto de 2014

Vestido para a Morte (Donna Leon)

A descoberta de um cadáver num baldio perto de um matadouro pode não motivar grandes preocupações na sociedade, mas basta para arruinar os planos de férias de Guido Brunetti. À primeira vista, a vítima é um travesti e tudo - ou pelo menos a mentalidade geral - parece apontar para que seja um prostituto que foi morto por um cliente. Mas há pequenas coisas que não batem certo e silêncios que alimentam a suspeita. Aos poucos, as investigações de Brunetti começam a apontar que não se trate de um crime de menor relevância, mas apenas de parte de uma situação bem mais vasta. Mas, à medida que o Commissario se aproxima das respostas, é também mais premente a vontade dos que o querem fazer parar.
Um dos aspectos que sobressai deste livro (como, de resto, de outros volumes desta série) é a caracterização de uma sociedade em que os aspectos menos nobres das mentalidades e das formas de estar na vida são especialmente vincados. Desde os esquemas e os desvios escondidos sob a aparência respeitável, a um preconceito socialmente aceite, o cenário em que a autora desenvolve as suas histórias define-se por características não muito positivas. Mas é precisamente ao destacar estas características e ao apresentá-las como normais aos olhos das personagens (ou, pelo menos, de uma vasta maioria delas) que a autora realça o que há de errado na situação. O efeito acaba o de ser, em certa medida, o de uma reflexão sobre o que não deveria ser.
Isto reflecte-se também na forma como o próprio mistério é gerido, com os interesses dos envolvidos a influenciar comportamentos ao longo de todo o enredo. Mas, para além disso, há também intriga e mistério em abundância, com umas quantas situações de verdadeiro perigo a contrastar com os ocasionais momentos caricatos. Disto resulta um interessante equilíbrio entre leveza e tensão, o que contribui em muito para manter a envolvência do enredo.
Quanto às personagens, fica, por vezes, a impressão de uma certa distância, ainda que atenuada pelo desenvolvimento de alguns aspectos da vida familiar de Brunetti. Em termos de emoções ou de impacto pessoal das coisas, fica a ideia de que uma maior proximidade poderia tornar o enredo mais intenso. Ainda assim, e apesar dessa distância, há nesse aspecto alguns momentos surpreendentes. E, quanto ao caso, a conclusão acaba por ser particularmente bem conseguida.
Trata-se, pois, de mais uma boa leitura, intrigante e agradável, com um cenário que marca pelo muito que tem de invulgar e uma história que, entre as grandes revelações e os momentos peculiares, consegue sempre surpreender. Gostei.

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