1517. Tudo começa quando Martinho Lutero afixa as suas teses na catedral de Wittenberg. Então, ainda são poucos os que sabem que se aproximam grandes mudanças no seio de quem define a fé dos homens. E é também esse o tempo em que se começam a escolher partidos. De um lado, um jovem estudante que se deixa absorver pela causa dos oprimidos e miseráveis, defendendo, como os seus novos mestres, uma fé livre do jugo dos poderosos. Do outro, a figura nas sombras, o misterioso Q, espião de um poder maior no Vaticano e capaz de tudo para cumprir as tarefas de que é incumbido. No fundo, seguem ambos o mesmo percurso, ainda que de lados opostos das barricadas. Mas, quando tantos enfrentam a morte em nome das ideias ou do poder de outrem, todos os resultados são derrotas... e o derradeiro ajuste de contas terá de ser entre os que se movem na sombra.
Extenso e complexo, tanto no contexto em que decorre como nas personagens que o povoam, este não é um livro fácil de descrever. Não é um livro fácil, aliás, ponto final. Porquê? Porque são tantos os pormenores, é tão longo o caminho e são tantas as figuras e as intrigas em torno das histórias do protagonista que tudo exige tempo e concentração para assimilar. A começar, é claro, pelo próprio protagonista, ele que, com muitos nomes e um papel tão importante, assume-se como figura central de um enredo apesar de ser uma figura secundária no contexto histórico em que se move.
É também fascinante, este protagonista. Chamemos-lhe Gert. Fascinante pela complexidade, mas, acima de tudo, pela forma como, partindo de uma posição de alguma distância, acaba por se entranhar na memória de quem acompanha as suas aventuras, mais marcante a cada nova batalha travada. E, sim, esta distância inicial torna o ritmo da narrativa mais pausado, exigindo algum tempo, principalmente na fase inicial, para entrar no ambiente em que Gert se move. Mas, aos poucos, é como se tudo se intensificasse e há momentos nesta história que são simplesmente devastadores.
Mas há mais para além de Gert. Também os que o rodeiam são fascinantes, seja pela estranheza das suas bizarrias, seja, num sentido mais amplo, pelo papel que desempenham nos rumos da história. E na própria história há muito de fascinante: a complexidade das intrigas e do contexto histórico, os momentos delicados em que, muitas vezes as personagens se encontram, o próprio final, que pode não ser o mais desejado, mas é, sem dúvida alguma, o mais adequado. Tudo converge num equilíbrio quase perfeito e, ao fim de seiscentas páginas de leitura, a impressão que fica é a de algo simplesmente memorável. E assim, o que começa por ser uma narrativa pausada termina a um ritmo quase compulsivo.
Brilhante na construção de uma narrativa em que as complexidades do contexto histórico se aliam a uma teia de intrigas igualmente complexa, trata-se, portanto, de um livro que acaba por surpreender em todos os aspectos. Desde o fascínio que as personagens exercem aos grandes - e dolorosos - momentos, no fim, tudo se torna memorável. E, quando tudo se conjuga com tanta mestria, o resultado não pode ser senão algo de muito, muito bom.
Título: O Espião do Vaticano
Autor: Luther Blissett
Origem: Recebido para crítica
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