Na sequência de uma missão que correu mal no Kosovo, Jasmin ficou entre a vida e a morte e, quando regressou, trouxe consigo marcas difíceis de superar. Ou, pelo menos, foi isso que todos pensaram quando começou a falar numa cidade portuária no além, onde o crime organizado parecia sobrepor-se a uma burocracia complexa. Mas talvez Jasmin não estivesse assim tão louca como todos julgaram, pois, quando um acidente de viação a faz regressar àquele estranho local, o que podia ter sido um sonho perturbado transforma-se numa certeza. Só que Jasmin não estava sozinha nesse acidente e o seu filho, razão da sua vida, corre também perigo. É que, naquele local controlado por poderes ocultos, até a capacidade de voltar à vida pode ser comprada. E, por isso, Jasmin precisa de regressar ao mundo dos mortos para salvar o filho.
Completamente diferente da série protagonizada por Joona Linna, e contudo igualmente cativante, este é um livro em que o primeiro aspecto a sobressair é a estranheza. Estranheza primeiro porque, numa fase inicial, tudo parece progredir muito depressa, o que realça, de certo modo, o choque do contacto de Jasmin com aquele mundo para além da vida. E depois porque, à medida que os pormenores vão surgindo, a verdadeira complexidade desse mundo começa a revelar-se e a intriga começa a ganhar intensidade, num crescendo cada vez mais intrigante e surpreendente que culmina num final cheio de acção.
E estranha seria uma boa palavra para descrever a cidade portuária, com todos os seus mistérios e burocracias inesperadas. Não é propriamente a primeira imagem a vir a cabeça quando se pensa na vida depois da morte e, porém, há neste sistema invulgar e interessante um estranho e muito agradável fascínio. Fascínio, que, associado às circunstâncias peculiares dos que os habitam, abre caminho à tal escalada de intensidade que, a cada nova revelação, parece subir um novo degrau.
Mas, se o cenário é em si mesmo bastante impressionante, com a sua aura sombria e inesperadas complexidades, as personagens não lhe ficam muito atrás. Postas perante circunstâncias difíceis de igualar, reagem de forma inesperada, por vezes, contraditória, mas sempre forte. E, ao fazê-lo, revelam todas as suas forças e também umas quantas vulnerabilidades. Tal como o além não é propriamente o esperado, também as pessoas não são só o que parecem. E isto aplica-se tanto aos aliados improváveis de Jasmin no outro mundo como a algumas das personagens com que interage no mundo "real" - bem como, é claro, à própria Jasmin. O que constrói uma teia de sentimentos ambíguos que faz com que cada assumir de posição acabe por surgir também como uma nova surpresa.
E depois há a escrita, claro. Capítulos curtos, centrados, em grande medida, na acção, mas com descrições eficazes e muito fáceis de visualizar dão a esta leitura um ritmo sempre envolvente, que se destaca nos momentos de maior intensidade, mas que não deixa de cativar em momento algum. Além disso, e apesar de toda a intensidade da acção, há também espaço para uma ou outra pequena reflexão que, sem quebrar o ritmo do livro, conseguem tornar mais próxima do leitor a posição das personagens. Posição que, note-se, nem sempre é fácil de compreender - mas que, no fim, acaba sempre por fazer algum sentido.
Estranha, portanto - e estranhamente fascinante. Assim se poderia descrever esta aventura pelo mundo dos mortos. Sempre envolvente, com personagens fortes e uma história que prende do início ao fim, um bom livro, em suma.
Título: O Porto das Almas
Autor: Lars Kepler
Origem: Recebido para crítica
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