sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A Morte do Rei de Espanha (Carlos Daniel)

Aos dez anos, Juan Muriel viu o pai ser preso, acusado de um homicídio de contornos macabros. Por vontade do pai, assistiu a todos os passos do julgamento e, do que viu, retirou duas certezas: a garantia da inocência do pai, vítima de uma conspiração que acabaria por levar à condenação a uma longa pena de prisão; e a identificação de um responsável, na forma de um retrato e de um nome invocado por todos para justificar as suas acções. Construiu também um objectivo de vingança contra esse único culpado e verdadeiro alvo do seu ódio: o rei de Espanha. Mas vingança é algo de demasiado complexo para uma criança de dez anos. Juan sabe que tem de esperar. E, com o passar dos anos, o objectivo transforma-se cada vez mais em obsessão, à medida que planos e mais planos se formam na sua cabeça. Só lhe falta controlar um acaso e esperar que o rei se desloque a Portugal...
Um dos traços mais curiosos deste livro é o facto de, apesar de ter na base um crime e um enigma relativamente à identidade do culpado, o mistério estar longe de ser o centro da narrativa. Desde a acusação à condenação, e mesmo depois disso, não há grandes desenvolvimentos acerca do crime ou da investigação realizada, limitando-se a informação apresentada ao essencial para compreender as dúvidas e certezas de Juan e do resto da família. Não está no crime, nem na identificação do culpado,  nem sequer na demonstração da possível inocência do pai de Juan a essência da história, mas antes no crescimento do protagonista, na sua mudança através do tempo e na sua forma de lidar com as marcas do que aconteceu e que definiram a sua presente obsessão. É, por isso, a história de Juan o que realmente importa, mais que o mistério ou as tensões familiares. Ainda que estes venham tornar o enredo mais interessante.
A forma como a história é narrada tem também algumas peculiaridades interessantes. Parte do enredo é apresentado do ponto de vista de Juan, revelando alguns elementos mais pessoais e um certo tom introspectivo. O restante cabe a um narrador não identificado, que se apresenta como amigo de Juan e que pretende ser mais objectivo na narração. O que, curiosamente, não acontece, já que este narrador é tudo menos distante e faz questão de deixar bem claros os seus pontos de vista. Também isto contribui para que a história avance a um ritmo mais pausado, já que também o narrador tem as suas divagações, mas acaba por compensar pela diferença, já que a muito própria forma de expressão do narrador o torna também uma figura interessante na sua perspectiva dos acontecimentos.
Fica a impressão de que algumas partes do enredo poderiam ter sido mais desenvolvidas, principalmente relativamente às tais questões do crime e das relações familiares. As respostas essenciais são dadas, no final, mas seria interessante ter visto um pouco mais das outras personagens e do sucedido relativamente ao crime e às acções dos culpados.
Envolvente e interessante, ainda que um pouco confuso nos seus momentos mais divagativos, trata-se, portanto, de uma leitura agradável, ainda que de ritmo pausado, com personagens interessantes e alguns momentos particularmente bons. Gostei.

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