quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O Funeral, do Ponto de Vista do Morto (José Alberto Silva)

Durante um encontro com a amante num hotel em Lisboa, Artur Varela sofre um enfarte e morre. Mas a morte não chega para o fazer desaparecer. O seu espírito permanece por perto, acompanhando o que acontece a seguir, desde a fuga da amante, determinada a que ninguém saiba da sua presença ali, aos preparativos do seu funeral. Ao mesmo tempo, Artur recorda o seu percurso de vida, desde o momento em que conheceu a sua esposa às relações e conflitos no seio da família a que passa a pertencer. E, sem o saber, começa a desvendar relações e acontecimentos que talvez sejam razões para a sua morte. Talvez não tenha sido apenas o seu coração a falhar...
O que primeiro cativa neste livro é a escolha do narrador. Grande parte da história é narrada por Artur, o que, tendo em conta a sua condição de morto, introduz, logo, algo de diferente na forma como a sua história será contada. Cria, também, uma interessante dualidade, já que, no que diz respeito ao sucedido após a sua morte, ele é apenas um observador, enquanto que, no desenvolvimento das suas memórias, é uma figura bastante mais próxima aos acontecimentos, com motivações e planos próprios.
Outro aspecto interessante é a ambiguidade moral de várias das personagens. Artur está longe de ser um santo, principalmente na vida matrimonial, e toda a sua história o afirma. Mas não é o único. Há outras personagens com atitudes questionáveis, algumas delas sendo até relevantes para o mistério da sua morte. Além disso, se é certo que alguns dos "pecados" das personagens são devidamente punidos, pela justiça humana ou por momentos em que se insinua uma certa justiça poética, isso não se aplica a todas as acções. Cria-se, assim, um interessante paralelismo com a realidade, já que nem sempre a inocência é reconhecida nem as culpas castigadas. 
A nível de escrita, o enredo evolui a um ritmo pausado, com uma forte componente descritiva e alguma divagação acerca de planos profissionais que, não sendo assim tão relevantes para a história, permitem uma melhor caracterização do contexto da época. Fica, nalguns momentos, a impressão de uma certa distância, já que os momentos mais emotivos são escassos e, nalguns casos, descritos de forma muito sucinta. Ainda assim, e apesar de algumas falhas de formatação (faltam espaços entre algumas palavras), a leitura nunca deixa de ser envolvente e a história tem bastante de interessante.
O mistério da morte de Artur acaba por ser apenas uma parte, e não a mais importante, da história da sua vida. Talvez por o narrador estar presente junto ao seu corpo - e não a acompanhar o sempre misterioso inspector Coimbra - pouco é revelado da investigação, antes dos momentos finais. Fica, pois, a ideia de que mais poderia ter sido desenvolvido neste aspecto, mas também a impressão de que essa ausência aumenta um pouco o impacto das revelações finais.
Tendo em conta tudo isto, fica a impressão global de um livro cativante, em que tanto a história como as personagens são interessantes e que, apesar do ritmo pausado e de algumas questões por explorar, proporciona bons momentos de leitura. Uma boa história, portanto, e uma leitura agradável. 

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