quinta-feira, 15 de maio de 2014

Doze Contos Peregrinos (Gabriel García Márquez)

Histórias de lugares e de momentos vividos nesses lugares, de almas estranhas e de sentimentos universais. Assim são os contos de Doze Contos Peregrinos, projecto que várias vezes percorreu o caminho entre a mente e o caixote do lixo, para depois ser reaproveitado e abandonado e aproveitado ainda uma outra vez. É isso, aliás, o que é contado na introdução Porquê Doze, Porquê Contos e Porquê Peregrinos, um breve olhar sobre a história das ideias e do processo de escrita deste livro, e um prelúdio que abre uma perspectiva pessoal para o trabalho do autor, ao mesmo tempo que desperta curiosidade e cria uma agradável sensação de proximidade. 
Mas falando dos contos propriamente ditos. Em Boa Viagem, Senhor Presidente, um homem, na iminência de uma operação arriscada, cruza-se com um antigo compatriota. E o que devia ser a exploração de uma oportunidade transforma-se num gesto de coração. Magnificamente escrito, com a poesia e, ao mesmo tempo, a simplicidade que a história exige, este é um conto que, num registo algures entre o nostálgico e o melancólico, cativa também pelos elementos improváveis. E surpreende, acima de tudo, pela emoção.
Segue-se A Santa, história do percurso de um homem disposto a conseguir a canonização da filha. Cativante, ainda que um pouco disperso em divagações, sobressai deste conto uma marcante aura de tristeza, mais que adequada a esta ambígua, mas bela, história de persistência.
Amor à primeira vista numa viagem de avião: assim se faz a história de O Avião da Bela Adormecida, um conto relativamente breve e muito introspectivo, e que cativa principalmente pela forma quase impalpável de transmitir as esperanças do narrador para o leitor.
Segue-se, depois, Alugo-me para Sonhar, história de uma mulher que interpretava sonhos. Impressionante acima de tudo pelo toque de magia e pela naturalidade com que esta surge, um conto envolvente, bem escrito e também pautado por uma certa melancolia.
Em "Só Vim Fazer um Telefonema", uma avaria leva a protagonista a aceitar uma boleia que termina com ela presa num asilo e a tentar sobreviver. Cativante em primeiro lugar pela situação delicada da protagonista, cujas razões que ninguém quer ouvir despertam empatia, surpreende tanto pelas mudanças no final como pela conjugação de passado e presente num mesmo equilíbrio de abandono. Sem dúvida alguma, o melhor conto do livro.
Também breve, Surpresas de Agosto é essencialmente a história de uma assombração, um conto que surpreende pela leveza como aborda a lenda do lugar, para depois se transformar, no final. Sucinto, mas equilibrado, um conto muito bom.
De uma mulher que espera a morte, mas recebe algo diferente, fala Maria dos Prazeres, um conto de ritmo pausado, que, num registo algo disperso, reflecte o ritmo das memórias da protagonista. Envolvente, pontuado por alguns momentos especialmente fortes, culmina num belo final.
Em Dezassete Ingleses Envenenados, uma mulher viaja para Roma com o objectivo e realizar o seu sonho de ver o papa. Bastante descritivo e disperso, também, como o pensamento da protagonista, cativa pela escrita, ainda que a história deixe mais perguntas que respostas.
Segue-se Tramontana, sobre um vento temível e as suas consequências sobre as almas. Também pausado e bastante descritivo, um conto de tom algo distante, que acaba por surpreender, tendo em conta alguns dos acontecimentos que narra. Mas interessante, ainda assim.
O Feliz Verão da Senhora Forbes conta a história de uma perceptora infernal. Cativante em primeiro lugar pela inocência e pela situação dos protagonistas, surpreende também pelo toque de mistério. Peculiar e intrigante, apesar das questões que são deixadas em aberto, um bom conto.
A Luz É Como a Água fala dos pedidos invulgares de dois irmãos e da arte de navegar na luz. Breve e peculiar, este é um conto que surpreende, acima de tudo, pela ideia, explorada sem grandes momentos ou grandes surpresas, mas com algo de cativante no muito que tem de improvável.
Por último, em O Rasto do Teu Sangue na Neve, dois jovens recém-casados fazem uma longa viagem, quase ignorando uma pequena ferida que insiste em sangrar. Belíssimo, a nível de escrita, o que mais marca neste conto é o perfeito equilíbrio entre as percepções da viagem, o passado dos protagonistas e o mistério da ferida que sangra. História de encontros e desencontros, no fundo, surpreende também por um belo, mas triste, final.
Histórias de lugares, de momentos e de almas que passam, o que fica, então, destes Doze Contos Peregrinos, é a impressão de um conjunto interessante, em que alguns contos são particularmente memoráveis, mas todos têm algo de cativante. Vale, pois, a pena ler este livro. Sem dúvida alguma.

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