João tem oitenta anos e acaba de ficar viúvo, mas acredita que ainda tem muito para viver. Não pode, por isso, aceitar a decisão dos filhos de o confinarem a um lar onde a sua vida passará a ser regida pelas regras de outros. São muitas as memórias do passado e grande o futuro que ainda quer construir. Por isso, aproveita uma saída normal para fugir para um sítio seguro, onde, com a ajuda dos amigos, poderá continuar a viver com a independência e a juventude que ainda sente como suas. Deixando para trás o abandono a que o pretenderam votar.
Relativamente breve e bastante simples na sua essência, este é um livro em que dois pontos se destacam: a fluidez de uma escrita directa, mas em que as ideias não perdem nenhuma da sua força, e uma série de perguntas pertinentes sobre a sociedade e a forma como a velhice é encarada. Dois pontos que se conjugam para dar forma a uma história cativante e interessante, em que as ideias são o que mais conta, mas o enredo nunca deixa de ser envolvente.
Sendo um livro tão curto para um tema tão vasto, ficam, é certo, algumas perguntas sem resposta. João fugiu dos filhos e reencontrou-se - mas, quanto ao que aconteceu depois à sua relação com os filhos, quase tudo é deixado em aberto. Além disso, se na questão do abandono e do dever dos filhos para com os pais, os julgamentos do protagonista são muito claros e certeiros, há outras facetas da sua história - nomeadamente na ligação de João às várias mulheres da sua vida - em que, por vezes, a desculpabilização é demasiado fácil. Ainda assim, a linha geral da história - começando pela viagem ao passado e estendendo-se depois ao futuro que ainda tem - nunca deixa de ser interessante e há vários momentos bonitos ao longo da narrativa.
Mas, acima de tudo, ficam as ideias e as perguntas que esta história desperta. De qual é a idade limite para uma vida livre e independente. De até que ponto as relações condicionam ou propiciam um futuro mais feliz. De onde começa - e onde acaba - a liberdade de alguém ante as fragilidades da idade. E assim, apesar da brevidade da história, fica muito em que ponderar. E acaba por ser esse, talvez, o traço mais relevante desta história.
Com uma história simples, mas um tema muito relevante, trata-se, pois, de um livro que, apesar de deixar muito em aberto, deixa também muito em que pensar. Breve, mas envolvente, realça, acima de tudo, o valor da vida em todas as idades. E, gostando-se ou não do protagonista (ou gostando-se mais ou menos consoante a fase), essa mensagem nunca perde a sua força. O que claramente basta para fazer com que a leitura valha a pena.
Título: O Homem que Não Tinha Idade
Autor: Fernando Correia
Origem: Recebido para crítica
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