A família de Jackson vive tempos complicados. Às vezes, há pouca comida em casa. A renda, ao que tudo indica, está atrasada. E os pais passam cada vez mais tempo a conversar - e a discutir - às escondidas dos filhos. Jackson receia que tenham de voltar a viver na carrinha e o facto de ninguém lhe dizer nada só agrava as suas preocupações. E é nessa altura que o seu velho amigo imaginário - Crenshaw, um gato gigante - volta a surgir. Jackson sempre acreditou nos factos e acha que já não tem idade para acreditar em amigos imaginários. Mas a verdade é que nunca precisou tanto de um - e, por isso, Crenshaw não está disposto a ir embora.
Uma das coisas mais cativantes que se podem encontrar num livro escrito para os mais novos é aquele momento em que, da inocência e da simplicidade, surge uma ideia que fala tanto aos mais pequeno como aos adultos. E é essa, precisamente, uma das grandes forças deste livro. A situação delicada da família de Jackson, vista pelos olhos inocentes de uma criança, dá-nos algo com que todos podemos simpatizar. E a força da amizade (imaginária ou não), do amor, da verdade - bem, isso é pura e simplesmente universal.
Mas, se a mensagem seria mais do que suficiente para fazer com que a leitura valia a pena, a verdade é que os pontos fortes estão muito longe de se esgotar por aí. A escrita, desde logo, directa e envolvente, mas sem ser demasiado simplista, adapta-se na perfeição à voz de um protagonista jovem, mas surpreendentemente maduro. Além disso, há diálogos ao longo da história que são absolutamente impressionantes na forma como, em poucas frases, dizem tanta coisa de importante. E a verdade é que tudo é contado da maneira certa - sem elaborações desnecessárias, mas realçando as coisas e os momentos que realmente importam.
E, claro, depois há a história. Uma história em que quase todas as personagens são perfeitamente normais, passando pelas dúvidas e dificuldades que, de uma forma ou de outra, todos conhecemos, mas em que há um toque de magia a acontecer. E não apenas na presença de Crenshaw, que é, também ele, uma personagem fantástica, mas na simples aceitação das verdades da vida. E de que nem sempre há respostas e, quando as há, nem sempre são as mais agradáveis.
Tudo isto se conjuga num livro que é, ao mesmo tempo, mágico e realista. Realista, porque retrata na perfeição as dificuldades de muitas famílias, reflectindo-as através do olhar de uma criança, mas sem lhe tirar nenhuma das complexidades. E mágico, porque nos lembra que, mesmo nos tempos mais negros, há sempre ternura e amizade e afecto e amor. E que também essas forças movem a vida. Recomendo.
Título: Crenshaw - O Grande Gato Imaginário
Autora: Katherine Applegate
Origem: Recebido para crítica
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