quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Então, Boa Noite (Mário Zambujal)

Afonso Júlio é um homem peculiar. Devido a uma alegada plasticidade dos neurónios, passa as noites acordado e, de dia, dorme profundamente. Ora, isso traz inconvenientes, não só profissionais, mas ao nível dos relacionamentos amorosos. E, como se não bastasse esta circunstância invulgar, Afonso Júlio vê-se agora a braços com uns quantos assuntos a resolver. O padrinho deixou-lhe uma carta que, com três anos de atraso, acaba de lhe chegar às mãos e que o incumbe de cobrar uma dívida e de casar com uma desconhecida sobrinha. E a mulher dos seus sonhos desapareceu, cabendo-lhe agora a tarefa de a encontrar. Tudo nos seus horários bizarros em que a noite começa ao amanhecer.
Com o seu protagonista invulgar e uma história cheia de peripécias, tanto no que respeita à difícil "missão" de Afonso Júlio como às histórias do seu passado, este é um livro que cativa, em primeiro lugar, pelo delicioso sentido de humor. É difícil resistir às aventuras de Afonso, com a sua atribulada vida nocturna (ou diurna?) e os seus complicados amores. Além disso, há algo de fascinante em acompanhar o percurso de um herói com traços que são tudo menos heróicos. Seja no ocasional episódio de conflito, seja nos grandes gestos de sedução, Afonso Júlio está longe de ser o herói másculo e cheio de coragem. E talvez seja por ser tudo menos isso que é tão fácil torcer para que o caminho lhe corra bem.
Também particularmente cativante é a leveza da escrita, com o seu ajuste perfeito às peculiaridades da história. Afonso Júlio pode ter uma série de sarilhos para resolver, mas são sarilhos que, associados à sua muito invulgar personalidade, proporcionam momentos divertidíssimos. E, assim, a leveza da forma como o enredo é narrado ajusta-se perfeitamente ao estranho e delicioso humor das circunstâncias e a brevidade e simplicidade das soluções só as torna mais surpreendentes. 
E, claro, há sempre a relação entre o protagonista e as mulheres, algo que parece ser característico dos "bons malandros" do autor. É como que um elo comum entre diferentes histórias que, embora únicas e distintas, parecem reforçar o laço sempre presente de uma malandrice bastante inofensiva.
Somadas as partes, fica naturalmente a melhor das impressões: a de uma história leve, divertida e cheia de surpresas. Invulgar, como o seu noctívago protagonista, e muito, muito cativante, um livro para devorar de uma assentada. E que recomendo, naturalmente. 

Autor: Mário Zambujal
Origem: Recebido para crítica

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