domingo, 4 de novembro de 2018

O Livro da Ignorância (Vítor J. Rodrigues)

Há mestres que partilham a sua sabedoria. Já Amnésio sente que, sendo a sua sabedoria ínfima e a sua ignorância tão vasta, acha que deve ser esta última o cerne dos seus discursos. E é de ignorância que se trata, mas não no sentido da recusa obstinada de conhecimento. De ignorância, sim, a ignorância das circunstâncias dos outros, dos mecanismos da natureza, da capacidade de moldar ou controlar o universo. Da ignorância que é um sem fim de possibilidades de aprendizagem - que são, afinal, a base deste livro.
Partindo de um não sei e culminando num gostaria de aprender, este é um livro que cativa, em primeiro lugar, pela premissa, a fazer lembrar "o tão célebre só sei que nada sei" e, ao mesmo tempo, o igualmente ilustre "conhece-te a ti mesmo". Amnésio é um profeta que não vê o passado nem o futuro: vê o que não sabe e o que isso lhe permite descobrir. E esta ideia de um profeta que ensina sabedoria - e não necessariamente conhecimento - através da ignorância é algo de particularmente surpreendente.
Também a escrita em si é cativante, com uma simplicidade fluída e que parece embalar-nos ao ritmo de uma quase meditação. Amnésio dá mais perguntas que respostas, mas fá-las com uma sinceridade que faz com que elas ecoem dentro de nós. Além disso, não é um livro que pretenda dar as respostas (embora seja sempre inevitável uma pequena sensação de curiosidade insatisfeita), mas antes incentivar à aceitação e à procura. E, assim sendo, faz sentido esta voz de alguém que ensina interrogando. Interrogando-se a si mesmo, principalmente.
É um livro relativamente breve, mas que parece conter universos inteiros. Como? Através da sempre tão presente ignorância. É que se, como Amnésio, olharmos para a imensidade do mundo, provavelmente chegaremos, também como ele, à conclusão de que é muito mais o que não sabemos. E esta consciencialização da ignorância - mas de uma ignorância repleta de potencial - é algo de particularmente positivo numa actualidade tão apressada e em que são tantas as exigências de conhecimento e de acção.
Cativante e surpreendente, trata-se, portanto, de um livro inspirador, não tanto por convicções específicas, mas pelas vastas portas de potencial que, na sua brevidade, parece querer abrir. O resto fica à vontade do leitor: seguir ou não os passos de Amnésio, do não sei ao gostaria de aprender. 

Autor: Vítor J. Rodrigues
Origem: Recebido para crítica

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