quinta-feira, 9 de maio de 2019

Declarações de Guerra (Vasco Luís Curado)

A guerra colonial, muitas vezes associada aos primórdios da revolução e à forma como tudo mudou, parece ser um tema bastante recorrente em muita da literatura nacional. Mas as memórias, essas, pertencem a quem por lá passou. E é dessas mesmas memórias que se faz este livro: quarenta e oito testemunhos da guerra colonial, vista tal como ela foi pelos combatentes que por lá passaram. Sem rodeios, sem eufemismos, a guerra pura e dura - e as suas consequências.
A primeira coisa que importa destacar acerca deste livro é relativamente óbvia: o facto de se concentrar, acima de tudo, nos testemunhos dos combatentes. Mas isto é também especialmente pertinente, já que esta forma de analisar a guerra consegue deixar alguns sentimentos ambíguos: por um lado, a ausência de explicações para lá das apresentadas nos próprios testemunhos faz com que nem sempre seja fácil ver o contexto global; por outro, este olhar simples e directo às memórias de quem por lá passou, contadas na primeira pessoa e sem virar a cara aos aspectos mais chocantes, permite uma visão mais clara do verdadeiro impacto da guerra, nos que lá ficaram... e nos que lá deixaram pelo menos uma parte de si mesmos.
Nunca será uma leitura fácil, até porque o próprio conteúdo se assegura disso. Há relatos de brutalidade, de ataques devastadores, de feridos, de mortos, de mutilados... Tudo isto é, inevitavelmente, perturbador. E há ainda uma outra faceta igualmente perturbadora, que vem na forma das marcas que ficaram depois. A forma como alguns destes testemunhos se referem com naturalidade a actos de descontrolo e de violência já de regresso ao que se supunha ser a normalidade consegue ser igualmente chocante - sendo, ao mesmo tempo, testemunho das marcas deixadas pelos traumas.
Ficam, por isso, os tais sentimentos ambíguos: talvez um maior contexto permitisse ver certas acções de uma perspectiva diferente, mas, ao narrá-los apenas tal como foram, fica mais clara a dimensão do impacto e das perturbações que ficaram. Além disso, tratando-se de um conjunto de testemunhos, fica também bem evidente o conhecimento limitado que cada um tinha dos comos e dos porquês da guerra - o que não deixa de ser também algo de relevante a ter em conta.
Não, não é uma leitura fácil - nem deve ser. O que é, sim, é um livro bastante relevante não só para ver mais de perto os actos e as consequências de uma guerra, mas também que ela nunca termina realmente para quem por lá passou. Muito pertinente, em suma, e repleto de material para reflexão.

Autor: Vasco Luís Curado
Origem: Recebido para crítica

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