quarta-feira, 17 de março de 2021

Get Jiro - Sangue e Sushi (Joel Rose, Anthony Bourdain e Alé Garza)

Antes de se transformar num irascível chef de sushi, Jiro teve outra vida - e outra forma de dar uso aos seus talentos com a lâmina. Teve uma vida antes de ir parar à América, onde ocupava uma posição de poder numa família tão disfuncional como aparentemente coesa - como convém às famílias que se dedicam aos ramos mais... obscuros da vida. Mas algo aconteceu que fez com que tudo mudasse e com que o sonho de Jiro se tornasse na única alternativa. O quê? Bem... a resposta está neste livro.
Dedicado à história de Jiro antes de se dedicar totalmente ao sushi, ainda que seja uma paixão já presente nesta parte da história, este livro não se centra tão exclusivamente na faceta culinária da vida de Jiro, já que, embora envolvendo também negócios e violência, estes dois aspectos têm uma abrangência muito mais global. Além disso, o percurso familiar de Jiro na máfia acrescenta uma faceta diferente a esta história: a das relações familiares, com conceitos de honra e compromisso (mesmo em negócios obscuros e mortíferos) e sonhos barrados pelo peso da expectativa. É mais fácil compreender o jovem Jiro do que aquele que ele se tornará depois - ainda que a sua posição nunca deixe de ser, no mínimo, moralmente ambígua.
Sendo uma história de sangue e sushi - mais sangue que sushi, na verdade - implica também luta e violência, o que visualmente se reflecte em cor e movimento. Movimento não falta, de facto, e o vermelho predomina em grande parte do livro. Há, aliás, longos momentos em que o texto fica para um óbvio segundo plano, deixando à arte o papel de contar a história das lutas, das perseguições e das mortes. E há-as em tão grande número que é impossível não ficar com a impressão de que os outros aspectos acabam por ser abreviados para dar destaque a estes grandes momentos.
Há ainda um outro ponto curioso a destacar: o ambíguo e cativante impacto emocional. Nenhuma das personagens principais é propriamente do tipo que desperta uma empatia profunda - nem mesmo o próprio Jiro. Ainda assim, têm os seus momentos. E se Jiro tem realmente as suas ambiguidades, ainda que também um sentido do correcto bastante razoável, já as pessoas que lhe são mais próximas geram uma sensação de lealdade verdadeira que contrasta com a dos seus laços familiares. Assim, nem sempre é fácil sentir pelas personagens. Mas as emoções não deixam, ainda assim, de ser fortes.
Deixa sentimentos ambíguos - até porque é ambíguo por natureza. Mas não deixa, ainda assim, de ser uma leitura cativante, cheia de movimento de intensidade e com alguns momentos realmente brilhantes. Uma boa leitura, em suma, e um bom complemento à história do que veio depois.

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