quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Rapariga dos Seus Sonhos (Donna Leon)

Pouco tempo depois do funeral da mãe, Guido Brunetti recebe a visita do padre que deu a bênção, nesse dia. Antonin Scallon é um amigo do irmão, não dele, por isso é óbvio que a visita não é apenas um gesto simpático. Na verdade, o padre Scallon suspeita de um alegado religioso que anda a pedir dinheiro aos seus fiéis, e espera que Brunetti possa descobrir alguma coisa sobre o homem. Mas, além desta investigação pessoal, há um possível crime para investigar. O corpo de uma rapariga de 11 anos foi encontrado a flutuar no canal e tudo aponta para um assalto que acabou em problemas. Mas as pistas são difíceis de seguir, as provas são dúbias... e talvez não seja do interesse de todos que a verdade se venha a conhecer.
Passado em Veneza e com um enredo que, por vezes, se centra mais nos meandros da autoridade que propriamente no mistério a resolver, este livro tem como um dos seus pontos mais curiosos o retrato bastante peculiar - e não muito positivo - do funcionamento das forças policiais. Isto reflecte-se quer nos pontos de vista de Brunetti, quer na sua relação com os superiores, quer, ainda, no contexto geral, com questões relativas à Máfica e outros interesses individuais a colidirem com o caminho da justiça.
Não é, de esperar, portanto, e principalmente conhecendo outros livros da série, que este seja o clássico policial em que tudo é resolvido e justiça é feita no fim. Mas, curiosamente, também é esta diferença que torna as coisas mais interessantes. Mesmo quando os acontecimentos evoluem a um ritmo mais pausado, há uma proximidade ao real - ainda que não necessariamente a uma realidade agradável - que mantém a envolvência do enredo. E se é verdade que isto também torna o rumo dos acontecimentos um pouco mais previsível - já é expectável, nesta série, uma reviravolta desagradável na conclusão do mistério - também é certo que há mais para o enredo do que essa conclusão. 
E nesses outros factores há novos elementos de interesse. A questão do padre Scallon, que apesar de relativamente secundária, domina a fase inicial do enredo, introduz alguns pontos de vista interessantes, relativamente à religião. E todo o problema em torno de Ariana, e da sua origem romani, abre portas para alguma reflexão sobre a prevalência dos preconceitos.
Com um contexto invulgar para o género e uma escrita cativante, este é, em suma, um livro que, longe de ser de leitura compulsiva, conjuga, ainda assim, personagens e um enredo interessantes, para dar forma a uma boa história. Envolvente e intrigante, uma boa leitura.

Sem comentários:

Enviar um comentário