Durante muito tempo, voar foi um dos mais frequentes sonhos impossíveis. Mas já não. Agora, é possível, após uns quantos exames e tratamentos, ganhar asas e descobrir a liberdade do voo. Isto, claro, se se tiver a riqueza necessária para o fazer... Ou algo de importante a sacrificar. É essa a história de Peri Almond, ama do filho de dois voadores. Ao descobrir que os seus patrões se preparam para enviar o filho para longe, e preocupada com a morte da sua única amiga, Peri foge com o bebé Hugo, e fá-lo sem hesitar, ainda que não tenha sequer um plano definido. Mas os Chesshyre não estão dispostos a abrir mão do filho e, mesmo tendo segredos para esconder, não deixarão de enviar alguém no seu encalço.
De tudo o que há de cativante ao longo desta leitura, o que mais se destaca é, sem dúvida, a construção do sistema. Dos mecanismos de voo às diferenças entre a Cidade e o resto do mundo, passando por questões de política e de religião num sistema em que a interacção entre voadores e não voadores é, no mínimo, complexa, há, para esta história, um mundo vasto e bem construído, com muitos elementos interessantes e circunstâncias de grande complexidade. Elementos dos quais surgem também questões universais e relevantes, sobre aspectos como a discriminação ante a diferença, a manipulação genética, alguns tipos de fundamentalismo e o inevitável fosso entre ricos e pobres.
Mas, se a construção do mundo é, de facto, o maior ponte forte deste livro, não é, ainda assim, o único. Também no desenvolvimento das personagens há muito de interessante, sendo de destacar, como é natural, as histórias de Peri e Zeke, mas também a presença mais ou menos discreta daqueles com quem ambos interagem. Há características admiráveis e traços detestáveis, chegando, mesmo, por vezes, a existir ambos numa mesma personagens. E há também todos os graus entre ambos, num desenvolvimento em que cada personagem se define tanto pelo que é como pelo que vive e que, por isso, e em particular no caso dos protagonistas, facilmente conquista empatia.
Quanto ao rumo dos acontecimentos, importa destacar a forma como a história nunca se encaminha para um possível final idealizado. Nas pequenas coisas, como nos grandes momentos, não há nem finais felizes nem conclusões trágicas, mas antes circunstâncias e consequências, com pontos positivos e negativos. E, assim, o final acaba por ser menos definitivo, mas mais realista e, por isso mesmo, mais adequado.
Complexo, mas cativante, O Império das Asas é um livro que, pela sua forte componente descritiva, dificilmente será de leitura compulsiva. Mas é também, com o seu mundo vasto e bem construído, a força dos seus protagonistas e o enredo intrigante e surpreendente, um livro com muito de fascinante. Muito bom.
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