Kate Battista sabe que não está a viver a vida que imaginava, mas, sem se dar conta, deu por si a tomar conta da casa para o pai e a irmã mais nova. E, como se não bastasse, agora o pai tem planos para ela. É que o projecto de investigação do doutor Battista, que se prolonga há anos, parece estar no limiar de uma grande descoberta. Ou então de um grande impasse, pois Pyotr, o seu assistente, está em vias de ser deportado e a única forma de resolver o problema é que Kate aceite casar com ele. Confrontada com o que lhe parece ser a humilhação final, Kate não se sente propriamente disposta a ceder à vontade dos dois homens. Mas, quando a persistência cansa e as vulnerabilidades se tornam óbvias, Kate começa a pensar seriamente na hipótese. Afinal, é só temporário. Ou não?
Apesar de ser uma recriação contemporânea de A Fera Amansada, de William Shakespeare, esta é uma história com vida própria - ou seja, que se acompanha facilmente sem ter de pensar nas relações associadas à peça que lhe serviu de inspiração. E, com tempos e contextos tão diferentes, é preciso considerá-la enquanto tal, já que a ideia de um pai que tenta forçar um casamento para a sua filha é agora vista de forma diferente.
É, aliás, este mesmo ponto que começa por gerar sentimentos ambíguos, já que, entre o pai distraído que só se lembra da filha para a casar com o assistente, o dito assistente, cujas dificuldades linguísticas parecem esconder uma intenção de dominar e a posição de Kate, de uma recusa pouco segura, é, por vezes, difícil compreender a posição das personagens. Assim, o que cativa no início é mais o caricato da situação, já que as personagens não despertam assim tanta empatia.
Mas, claro, com o avanço da narrativa, algumas destas percepções mudam. Continuam os episódios constrangedores, os comportamentos difíceis por parte de algumas personagens. Mas, à medida que as vulnerabilidades ocultas começam a revelar-se, que as cedências de parte a parte começam a insinuar-se no enredo, as personagens começam a tornar-se mais cativantes - ainda que nunca chegue a ser fácil compreendê-las. E ainda que a brevidade deixe a sensação de que mais haveria a dizer sobre elas, no fim, fica a recordação de bastantes sorrisos ao longo da leitura - e isso é uma das melhores coisas que um livro pode proporcionar.
Quanto ao enredo em si... bem, divertida seria uma boa palavra para definir esta sequência de episódios caricatos que oscilam entre as discussões ferozes, as trapalhadas mais ou menos acidentais e os pequenos grandes momentos de afecto que fazem com que tudo ganhe uma nova perspectiva. Tudo isto num registo sempre envolvente e em que é, às vezes, nas pequenas coisas que surgem os laivos de maior impacto.
Leve, cativante e muito agradável de se ler, trata-se, portanto, de um livro em que, da estranheza das personagens e da peculiaridade das suas circunstâncias, surge um olhar inesperadamente doce sobre as relações familiares - e como o afecto pode manifestar-se das mais variadas formas. Gostei.
Título: Amarga como Vinagre
Autora: Anne Tyler
Origem: Recebido para crítica
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